Folha de S. Paulo


Veja os principais trechos da conversa entre senador Delcídio do Amaral, filho de Cerveró e advogado

Ueslei Marcelino - 17.set.2015/Reuters
Brazil's Senator Delcidio Amaral reacts during a ceremony to reappoint Brazil's Prosecutor-General Rodrigo Janot (not pictured) to the position of Prosecutor-General of the Republic at the Planalto Palace in Brasilia, Brazil, in this September 17, 2015 file photo. Brazilian federal police arrested ruling party Senator Delcidio Amaral in Brasilia early on September 25, 2015 on suspicion of attempting to obstruct justice in a broad corruption investigation focused on state-run oil firm Petrobras, TV Globo said. Federal police confirmed they had authorization from the Supreme Court to arrest Amaral, after prosecutors presented evidence that he had interfered with the investigation. Picture taken on September 17, 2015. REUTERS /Ueslei Marcelino/Files ORG XMIT: BSB201
O senador Delcídio do Amaral (PT-MS), preso pela Polícia Federal nesta quarta (25)

Abaixo, você confere uma seleção de trechos das conversas entre o senador Delcídio do Amaral (PT-MS), Bernardo, filho do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, e advogado Edson Ribeiro.

Delcídio, que até então era líder do governo no Senado, foi preso na manhã desta quarta-feira (25). Ele é suspeito de interferir no andamento da Operação Lava Jato ao planejar uma possível fuga do ex-diretor da Petrobras, Nestor Cerveró, do país. O banqueiro André Esteves, do banco BTG Pactual, e o advogado Edson Ribeiro também foram presos sob suspeita de envolvimento no esquema.

A fuga

Discussão sobre vantagens e desvantagens de o ex-diretor da Petrobras fugir para a Espanha, em que tem nacionalidade, de barco. Pesam também se é melhor deixar o Brasil por Venezuela ou Paraguai.

DELCÍDIO : Hoje eu falo, porque acho que o foco é o seguinte, tirar [Cerveró da Cadeia], agora a hora que ele sair tem que ir embora mesmo.

*BERNARDO: * É, eu já até pensei, a gente tava pensando em ir pela Venezuela, mas acho que... deve se sair, sai com tornozeleira, tem que tirar a tornozeleira e entrar, acho que o melhor jeito seria um barco... É, mais porque aí chega na Espanha, pelo menos você não passa por imigração na Espanha. De barco, de barco você deve ter como chegar...

EDSON: Cara é muito longe [ir até a Espanha de barco].

DELCÍDIO: Pois é, mas a ideia é sair de onde de lá?

BERNARDO: Não, da Venezuela, ou da...

EDSON: É muito longe.

DELCÍDIO: Não, não.

BERNARDO: Não, mas o pessoal faz cara, eu tenho um amigo que trouxe um veleiro agora de...

EDSON: Não, tudo bem. Vai matar o teu velho [Nestor Cerveró].

BERNARDO: É mas não sei, acho que...

EDSON: [risos] Pô, ficar preso

BERNARDO: Pegar um veleiro bom.

DELCÍDIO: Não mas a saída pra ele melhor, é a saída pelo Paraguai.

BERNARDO: Mercosul.

EDSON: Mercosul, porque o pessoal tem convenções no Mercosul, a informação é muito rápida [...] Seria melhor, porque ele tá no Paraná, atravessa o Paraguai.

DELCÍDIO: A fronteira seca.

EDSON: Entendeu? E vai embora, eu já levei muita gente por ali.

*

Eles trabalham com a hipóteses de Cerveró sair da cadeia por meio de um habeas corpus, mas ser obrigado a mantes uma tornozeleira eletrônica para monitorar seus deslocamentos.

DELCÍDIO: Mas ele [Cerveró] tando com tornozeleira como é que ele deslocaria?

BERNARDO: Não, aí tem que tirar a tornozeleira, vai apitar e já tira na hora que tiver, ou a gente conseguir alguém que...

EDSON: Isto a gente vai ter que examinar.

BERNARDO: É.

EDSON: Porque a minha expectativa é que o [juiz Sergio] Moro faça uma nova preventiva, se bem que não existe motivo nenhum.

*

O senador, o advogado e o filho de Cerveró conversam sobre as vantagens de fugir para a Espanha em um jato particular.

EDSON: Não sei o custo disso [usar um avião particular para fugir], vou apurar tudo isso eu tenho amigos que têm empresa de táxi aéreo, de aviação, entendeu, ver com eles qual o custo disto, a gente bota no avião e vai embora.

DIOGO: Mas esses de pequeno porte, eles cruzam [o Atlântico, até a Espanha]?

BERNARDO: Deve parar na [Ilha da] Madeira, alguma coisa assim.

EDSON: Depende, se você pegar um

DELCÍDIO: Não, depende do avião.

EDSON: Citation.

DELCÍDIO: Não, não. Citation tem que parar no meio. Tem que pegar um Falcon 50, alguma coisa assim.

DIOGO: Mas para na Venezuela.

DELCÍDIO: Aí vai direto [para a Espanha], vai embora.

EDSON: Se for direto, ótimo

A influência no STF

Outro tema da conversa foi a montagem de uma articulação para influenciar ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) a favor de Cerveró. Envolveria o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que é investigado na Lava Jato, o vice-presidente Michel Temer (PMDB) e o ex-senador José Sarney (PMDB-AP).

DELCÍDIO: Eu acho que nós temos que centrar fogo no STF agora. Eu conversei com o Teori [Zavascki, relator da Lava Jato na corte], conversei com o [ministro Dias] Toffoli, pedi pro Toffoli conversar com o Gilmar [Mendes, ministro], o Michel [Temer] conversou com o Gilmar também, porque o Michel tá muito preocupado com o [também ex-diretor da Petrobras preso Jorge] Zelada. E e eu vou conversar com o Gilmar também.

EDSON: Tá.

DELCÍDIO: Porque o Gilmar, ele oscila muito. Uma hora ele tá bem, outra hora ele tá ruim e eu sou um dos poucos caras...

EDSON: Quem seria a melhor pessoa pra falar com ele [Gilmar Mendes]? Renan ou Sarney?

DELCÍDIO: Com o Gilmar? Não. Eu acho que o Renan conversaria bem com ele.

EDSON: Eu também acho, o Renan, é preocupante a situação do Renan.

DELCÍDIO: Eu acho que Mas por que? Tem mais coisas do Renan? Não tem.

EDSON: Não, mas acho que o Fernando [Baiano, lobista que virou delator] fala nele, não fala?

DELCÍDIO: Fala, mas fala remetendo ao Nestor [Cerveró].

EDSON: Ah é, também? Então tudo bem.

DELCÍDIO: Como também fala do Jader [Barbalho, senador], remetendo ao Nestor.

*

Eles demonstram ter esperança num pedido de habeas corpus (HC) nas mãos do ministro do STF Edson Fachin. Aceito, avaliam, anularia várias delações feitas no âmbito da Lava Jato. Delcídio diz então que precisa conversar com Fachin, sugerindo que tentará influenciá-lo. Diogo Ferreira, assessor de Delcídio, aparece neste trecho.

EDSON: Eu tô com aquele outro HC, que tá na mão do Fachin.

DELCÍDIO: Tá com o Fachin?

EDSON: Tá () Se a gente anula aquilo [uma delação], a situação de todos tá resolvida. Porque aí eu vou anular em cadeia. Eu anulo a dele, Paulo Roberto [Costa, ex-diretor da Petrobras], anulo a do Fernando Baiano [lobista].

DIOGO: É pra anular a delação premiada.

EDSON: Paulo Roberto, porque foi homologada pelo Supremo. Aí eu consigo anular a do [empreiteiro] Ricardo Pessoa, enquanto Supremo também eu peço suspensão e anulo aquela porcaria também em situação idêntica. Consigo anular a do Fernando Baiano, a do [ex-gerente da Petrobras Pedro] Barusco e a do [lobista] Júlio Camargo. Pô cara!

DELCÍDIO: E está com o Fachin? Eu tô precisando fazer uma visita pra ele lá, hein?

EDSON: Essa é a melhor. Porque acaba a operação [Lava Jato] (...) A partir da anulação, tudo resta nulo, tudo.

DELCÍDIO: Isso tá com o Fachin?

EDSON: E o bom, a nossa tese é cível, e ele [Fachin] é civilista.

DIOGO: Exatamente.

EDSON: Isso foi a melhor coisa que aconteceu. [O pedido de anulação] foi pro Fachin.

BERNARDO: O problema é ele Tem a possibilidade de ele redistribuir uma porra assim?

EDSON: Não!

[...]

DELCÍDIO: Diogo, nós precisamos marcar isso logo com o Fachin, viu? Fala com o Tarcísio lá.

DIOGO: Tá.

DELCÍDIO: Pra ver se eu faço uma visita pro Fachin.

A delação

Eles mostram-se surpresos quando Delcídio informa que, em reunião com André Esteves, dono do banco BTG Pactual, viu com o banqueiro a reprodução da delação sigilosa de Cerveró. Segundo o senador, o banqueiro pagaria Edson Ribeiro e a família do ex-diretor da Petrobras. Em troca, Cerveró não deveria fechar delação ou omitir a participação do senador e do banqueiro na corrupção da Petrobras.

DELCÍDIO: Bom, aí eu cheguei lá, sentei com o André [Esteves], falei "ó André eu tô com o pessoal eu já conversei com a turma já falei com o Edson [Ribeiro], vou conversar com o Bernardo [Cerveró], é, eu acho que é importante agora a gente encaminhar definitivamente aquilo que nós conversamos. É, você mesmo me procurou, né?" (...) Ele me procurou, ele tava preocupado, né? Especialmente com relação aquela operação dos postos, né?

BERNARDO Sim.

DELCÍDIO: (...) Ele [André Esteves] disse: "Não Delcídio, não tem problema nenhum. Ó, eu tô interessado, eu preciso resolver isso. Ó, o meu banco é enorme, se eu tiver problema com o meu banco, eu tô fodido (...) Ó, eu quero ajudar, quero atender o advogado, quero atender a família, ajudo, sou companheiro, pá, pá." E a conversa fluiu bem. A única coisa que eu achei estranha foi o seguinte: é no meio da -porque banqueiro, vocês conhecem; vocês sabem como é que banqueiro; é foda, né?- Ele [André] quer ajuda, ele quer apoio. Ele dá apoio, mas ele chora as pitangas e vai criando, onde ele puder enganchar, ele engancha. Ele trouxe um paper, aquele paper.

EDSON: Hum.

DELCÍDIO: É, do Nestor [Cerveró]. Mas com anotações que, suponho, têm a ver com as do Nestor. Vocês chegaram a ter acesso algum documento assim?

EDSON: Eu não, você viu?

BERNARDO: Ele fazia [anotações], mas ficava com ele na cela.

DELCÍDIO: Pois é, então ou alguém reproduziu isso...

BERNARDO: Esse que é o lance. O que foi vazado, a gente acha que pode ter sido vazado ali de dentro. [O doleiro Alberto] Youssef na cela com ele, uma coisa assim.

[...]

EDSON: Só pra colocar. O que que eu combinei com o Nestor que ele negaria tudo com relação a você e tudo com relação ao (...). Tudo. Não é isso?

BERNARDO: Sim

EDSON: Tá acertado isso. Então não vai ter. Não tendo delação, ficaria acertado isso. Não tendo delação. Tá? E se houvesse delação, ele excluiria [o senador e o banqueiro]. Não é isto?

DELCÍDIO: É isso.

*

Delcídio conta que se surpreendeu ao ver o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), com o deputado e ex-jogador Romário (PSB-RJ). Conta então que eles fizeram um acordo para apoiar a candidatura do secretário de Governo, Pedro Paulo. E sugere que o acordo envolveu algo a respeito de uma conta de Romário, que seria real. Meses atrás, a revista "Veja" noticiou que Romário tinha uma conta na Suíça, informação que foi desmentida pelo banco suíço BSI e gerou um pedido de desculpas da publicação. Curiosamente, um irmão de Paes é sócio do BTG Pactual, de André Esteves, instituição que comprou o BSI no ano passado.

DELCÍDIO: Hoje eu estava com minha agenda toda organizadinha, só a partir das 13 horas. Aí, pra acabar de complicar ainda mais o jogo, me aparece o Eduardo Paes, com Pedro Paulo, com Romário e com [o senador do PMDB-ES Ricardo] Ferraço.

EDSON:Fizeram acordo, né?

DELCÍDIO: Diz o Eduardo [Paes] que fez.

EDSON: Tinha conta realmente do Romário.

BERNARDO: Tinha essa conta?

DELCÍDIO: E em função disso fizeram acordo.

EDSON: Seu amigo então foi comprado. Tira porque senão você vai preso.

DELCÍDIO: O que eu achei estranho [no encontro, foi] ele ter chegado: "O que você, Romário, o que você tá fazendo aqui?". "Não, não, vim, tô acompanhando o Eduardo".
EDSON Esquisito

DELCÍDIO: Esquisito pra caramba. Aí o Eduardo falou assim: "Não Delcídio", porque [com] o Eduardo tenho intimidade, o Eduardo foi companheirão meu aqui, principalmente na CPI dos Correios, ele foi meu braço direito aqui. Aí ele disse: "Não, Delcídio, eu chamei aqui o Romário", na frente do Romário, "chamei o Romário, ó, nós acertamos uma aliança: o Romário apoiar o Pedro Paulo". É isso que ele tá falando. Mas tem esse motivo.


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