Folha de S. Paulo


Países tropicais buscam maneira de sobreviverem às mudanças do clima

Pilar Valbuena/Global Landscapes Forum
Ilhas Maurício, polo de biodiversidade, podem perder território com aumento do nível do mar

Para muitos países, adaptar-se às mudanças climáticas e recuperar ecossistemas naturais degradados é uma questão de sobrevivência. "Pensar no meio ambiente não é algo opcional –para nós, é existencial", disse a presidente das Ilhas Maurício, Ameenah Gurib Fakim.

A preocupação não é de hoje, mas ganha força quando apresentada em um ano de extremos climáticos, como vem sendo 2017. O furacão Irma, que devastou o Caribe, os incêndios florestais que atingiram a costa oeste americana, Portugal e Indonésia, além de grandes enchentes na Índia e em Bangladesh são alguns exemplos dessa fúria da natureza.

O pequeno país insular no oceano Índico de 1,3 milhão de habitantes sofre com a iminente ameaça de ter boa parte do seu arquipélago tomado pelo avanço do mar.

O aumento do nível dos oceanos ocorre pelo derretimento das geleiras que afeta também o pH da água –impactando a vida marinha nos recifes de corais e toda uma economia baseada no turismo e na pesca.

"As mudanças climáticas afetaram o padrão de chuvas e de temperatura; temos testemunhado picos de secas. Em 2013, em duas horas, choveu mais de 200 mm, o que causou graves enchentes. A mudança do clima é muito real para nós", resumiu a presidente.

BIODIVERSIDADE

Apesar de pequenas em território, as Ilhas Maurício são um dos cinco "hotspots" de biodiversidade no mundo. As regiões tropicais concentram 40% de toda a variedade de espécies e ocupam apenas 1,4% da superfície da Terra.

As mudanças climáticas impõem sérios riscos e podem arrasar essas áreas. "Precisamos chamar a atenção para evitar essa grande perda", disse à Folha Ameenah Fakim.

Um mês após lideranças mundiais terem se encontrado em Bonn, na Alemanha, para discutir a implementação do Acordo de Paris e frear o aumento da temperatura global na Conferência da ONU sobre Mudança do Clima (COP23), a mesma cidade, ex-capital da Alemanha Ocidental, recebeu um fórum internacional sobre paisagens.

O Global Landscapes Forum aconteceu entre 19 e 20 de dezembro e pôs em pauta a discussão sobre a conservação ambiental e a restauração de florestas numa abordagem mais holística de paisagens naturais.

"Um terço do que podemos fazer pelo clima pode ser alcançado se tivermos políticas para proteger a biodiversidade e cuidar das paisagens", argumentou o diretor-executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), Erik Solheim

A situação das paisagens naturais tem se deteriorado rapidamente, alertou a diretora do Banco Mundial para o Meio Ambiente e Recursos Naturais, Karin Kemper. Todos os anos, 24 bilhões de toneladas de solo fértil sofrem erosão e 12 milhões de hectares de terra são degradados.

Pilar Valbuena/Global Landscapes Forum
Evento que aconteceu na Alemanha tentou mostrar que recuperar florestas pode ser viável
Evento que aconteceu na Alemanha tentou mostrar que recuperar florestas pode ser uma estratégia viável

"O cenário é sombrio, mas ainda há esperança de se fazer algo para mudar", afirmou. O custo de reflorestar e recuperar áreas degradadas, no que ficou conhecido como "Bonn Challenge" (Desafio de Bonn), em que países se comprometeram a restaurar 350 milhões de hectares até 2030, seria de US$ 107 bilhões por ano.

"Precisamos trazer as evidências científicas para que os governantes saibam o custo da degradação ambiental e quais são as opções", disse Kemper. Segundo as contas de sua equipe, para cada dólar investido em recuperação de paisagens naturais, é possível obter um retorno de sete a 30 dólares. "Isso prova que é um bom negócio", diz.

Na América Latina, o cenário climático também pode ser devastador, especialmente nos países caribenhos e da América Central, que estão na rota de um "corredor seco" climático. No estudo do último painel intergovernamental de mudanças climáticas, essa região foram colocada entre as mais sensíveis.

"Somos um istmo banhados por dois oceanos, vivemos a temporada de furacões que ocorrem do lado do Atlântico e do Pacífico. As mudanças climáticas não apenas significam ciclones, mas também a inexistência de água potável", disse à Folha a ministra de meio ambiente de El Salvador, Lina Dolores Alfaro.

Quase metade do país está no corredor seco, e são registradas perdas anuais de 4% do produto interno bruto em razão do clima e da degradação ambiental. "Tivemos cinco anos consecutivos de seca, entre 2012 e 2016."

OBRIGAÇÃO

Para El Salvador e seus 6,3 milhões de habitantes, a restauração dos ecossistemas seria praticamente uma obrigação. "Não temos alternativa. Estamos a ponto de chegar ao estresse hídrico –em cinco anos podemos ficar sem água", disse Alfaro.

El Salvador se comprometeu a restaurar um milhão de hectares de suas paisagens naturais até 2020, isso significa recuperar metade do seu território.
Uma grande queixa de países pequenos, porém, é a dificuldade de conseguir apoio internacional para esse tipo de empreendimento.

Os financiamentos, em geral, vão para aqueles com grande cobertura florestal, como o Brasil. "O nosso caso é o de adaptação às mudanças climáticas. Apesar de não termos contribuído para as emissões de gases de efeito estufa, somos os que mais sofremos", disse a ministra.

Enquanto as pequenas nações sofrem com a falta de recursos e brigam para se adaptar ao clima, os grandes poluidores ainda relutam em adotar políticas mais ambiciosas. Os Estados Unidos, por exemplo, comprometeram-se a restaurar 15 milhões de hectares até 2020.

Contudo, esses esforços podem ser minados após as sucessivas ameaças de Donald Trump de retirar os EUA do Acordo de Paris, assinado em 2015 por 195 países. Recentemente o presidente americano excluiu as mudanças climáticas da sua lista de prioridades na Estratégia de Segurança Nacional.

"Ainda estamos pensando como melhor lidar com os acordos climáticos. Vamos continuar a trabalhar com o que podemos e que seja apropriado para as nossas necessidades a nível local. O presidente Trump quer ter certeza que tenhamos um acordo que seja melhor para os Estados Unidos", disse à reportagem a chefe do serviço florestal americano, Leslie Weldon.


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