Folha de S. Paulo


Temperaturas anormais causam falha em programa que colhe dados do clima

Mike Worley/Bureau of Land Management
O observatório atmosférico do Noaa, em Barrow
O observatório atmosférico do Noaa, em Barrow

Na semana passada, cientistas estavam colhendo os dados mais recentes para o relatório climático mensal da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional americana (Noaa) quando observaram algo estranho: uma das estações cruciais de monitoramento climático tinha sumido do mapa. Estavam faltando todos os dados relativos a Barrow, no Alasca –a cidade mais setentrional dos Estados Unidos.

Não, Barrow não tinha sido literalmente devorada pelas ondas do mar Ártico (apesar da proximidade perigosa deste). A estação sumida era apenas o resultado da mudança climática acelerada provocada pelo homem, que vem tendo efeito intensificado no Ártico.

A temperatura em Barrow vem esquentando tão rapidamente este ano que os dados foram vistos automaticamente como irreais e retirados do banco de dados climáticos. Isso foi feito por algoritmos usados para assegurar que apenas os dados mais confiáveis sejam incluídos nos relatórios da Noaa.

Esse tipo de algoritmo de controle de qualidade é útil para assegurar a confiabilidade dos conjuntos de dados, mas vale apenas em situações "medianas", não em casos extremos. Mas a situação em Barrow é tudo menos mediana.

Se as mudanças climáticas são um desastre de grandes proporções, Barrow é nosso indicador avançado do perigo que vem pela frente. O Ártico está esquentando mais rapidamente que qualquer outro lugar da Terra, e Barrow está bem no meio. Com há cada vez menos gelo marítimo para refletir a luz solar, a temperatura em volta do Polo Norte vem subindo em ritmo acelerado.

Os dados faltantes obviamente deixaram meteorologistas e pesquisadores perplexos, já que eles os acompanham de perto, segundo Deke Arndt, chefe do Setor de Monitoramento Climático da Noaa. Ele descreveu o que aconteceu como "um ponto de exclamação irônico que assinala a mudança climática rápida no Ártico e região".

Esta semana cientistas informaram que o Ártico viveu seu segundo ano mais quente, depois de 2016, com o nível mais baixo de gelo marítimo jamais registrado. O anúncio foi feito na reunião anual da União Geofísica Americana, e o relatório foi encabeçado por uma manchete alarmante: "Ártico não dá sinal de que voltará a ser a região sempre congelada das décadas recentes".

As mudanças vistas no Ártico não se limitam ao gelo marítimo. Grandes extensões antes cobertas de permafrost (solo permanentemente congelado) foram reduzidos a lama. Espécies vegetais não nativas, que normalmente crescem apenas em climas mais quentes, estão se espalhando pela área que antes era de tundra. Esse processo de "esverdeamento" do Ártico vem ocorrendo mais rapidamente na Encosta Norte do Alasca, observável com clareza em alta resolução nas imagens de satélite colhidas pela Noaa.

"O índice observado atual de encolhimento do gelo marítimo e aquecimento da temperatura está mais alto do que em qualquer momento dos últimos 1.500 anos e provavelmente mais tempo que isso", diz o relatório da Noaa.

Em nenhum lugar isso é mais evidente que na própria Barrow, que recentemente adotou o nome indígena tradicional de Utqiagvik. Nos 17 anos desde 2000, a temperatura média registrada em Barrow em outubro subiu 7,8 graus. A temperatura média de novembro subiu 6,9 graus, e a de dezembro, 4,7 graus. Não surpreende que os dados tenham sido vistos como um erro.

A temperatura de Barrow já voltou a ser incluída nos dados de monitoramento climático. Os estatísticos terão que desenvolver um novo algoritmo para impedir que temperaturas reais sejam eliminadas dos dados no futuro.

Novos algoritmos para uma nova normalidade.

Tradução de CLARA ALLAIN


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