Folha de S. Paulo


Compensação por desastres climáticos emperra na Conferência do Clima

A 23º Conferência do Clima da ONU começou na segunda-feira (6) com a expectativa de que as questões de perdas e danos relacionadas a desastres climáticos tomassem o centro das negociações na cidade de Bonn, na Alemanha.

A COP deste ano, afinal, é presidida por Fiji, pequena ilha do Pacífico que corre o risco de ficar complemente submersa devido ao aumento do nível do mar.

No entanto, as consultas informais da presidência aos países, processo que tomou a primeira semana de negociações, indicaram uma posição clara das nações desenvolvidas: elas são contra a inclusão do tema perdas e danos como um item permanente da agenda de negociações.

O pleito é defendido pelas pequenas ilhas e por países em desenvolvimento. Hoje, ele é discutido em um grupo de trabalho que até o final da COP deve publicar o "Plano de Trabalho para o Mecanismo de Varsóvia" -conjunto de recomendações para o avanço da agenda nos próximos cinco anos, baseado no documento assinado em 2013 em Varsóvia, na Polônia.

COP23

O principal ponto de atrito entre países desenvolvidos e em desenvolvimento é o financiamento, especialmente o direcionado a ações de adaptação (que visam se antecipar aos efeitos do clima) e de perdas e danos (casos em que os desastres não podem ser evitados, como a ocorrência de ciclones).

Embora sejam as maiores responsáveis históricas pela emissão de gases do efeito estufa, as nações ricas dizem que não podem garantir financiamento para compensar as perdas decorrentes das mudanças climáticas, cujos valores podem ser exorbitantes. "Reconstruir um país pode ser algo impagável", analisa Sabine Minniger, especialista em políticas climáticas da ONG Bread for the World.

O Brasil tem sido contundente ao exigir que os países desenvolvidos se comprometam com ações relacionadas a essa questão, principalmente no que diz respeito ao financiamento.

"Há ideias flutuando por aqui para conter a possibilidade de alguns países considerados 'de renda média' terem acesso a esses mecanismos [de financiamento] e isso está acontecendo no GEF [Global Envinromental Faciliy, que opera o Fundo Verde do Clima]", criticou nesta sexta (10) o embaixador e negociador-chefe da delegação brasileira, Antônio Marcondes.

Para o Brasil, as categorias usadas no mundo financeiro não seriam suficientes para definir se um país precisa ou não de ajuda externa. Segundo Marcondes, esses critérios poderiam "impedir nações em desenvolvimento de implementar suas ações climáticas".

Entre os dez países mais expostos aos efeitos das mudanças climáticas nos últimos 20 anos, nove são nações em desenvolvimento, segundo o ranking da German Watch, cuja edição deste ano foi lançada na quinta-feira.

A lista é encabeçada pelo Haiti e tem Fiji, presidente da COP-23, na terceira posição. Os EUA, que anunciaram sua saída do Acordo de Paris, figuram em décimo lugar. A organização calcula o risco climático das nações com base na ocorrência de eventos climáticos extremos, como furacões, incêndios, secas severas, tempestades ou inundações.

QUEM É O CULPADO?
Uma das maiores dificuldades para o estabelecimento de compensações por perdas e danos é a aparente impossibilidade de identificar os responsáveis por eventos específicos.

"Um furacão não passa deixando um cartão postal assinado por uma petroleira", ironiza Sabine Minninger. A ONG da qual é consultora apoia o socorro e a realocação de atingidos por desastres climáticos.

Minninger atua na área de perdas e danos causados pelo clima desde 2002 -"quando a gente ainda era visto como lunático", lembra.

Para ela, atribuir culpados por eventos específicos "não é possível, mas também não é necessário. Estatisticamente é clara a correlação entre grandes poluidores e o aumento de eventos climáticos extremos em quantidade, intensidade e imprevisibilidade."

No entanto, há avanços científicos que permitem estreitar essa correlação.

Publicado neste mês pela revista "Nature", um estudo avaliou a relação entre eventos extremos e as emissões históricas de países e regiões do planeta.

Ragnhild Skeie, uma das autoras do estudo, diz que "a equipe aplicou metodologias estatísticas usando o exemplo da onda de calor argentina de 2013/14. Quando contabilizamos todas as emissões históricas a partir de 1850, grandes emissores como os EUA e a União Europeia fizeram o evento aproximadamente 28% e 37%, respectivamente, mais provável".

Embora o Acordo de Paris isente os países de responsabilidade por perdas e danos, a atribuição de culpados pelos desastres climáticos já está sendo decidida na Justiça em dezenas de casos.

Só nos EUA, são cerca de 20 casos julgados nas cortes todos os anos, segundo o Instituto Grantham de Mudanças Climáticas. Alguns dos processos são direcionados a empresas poluidoras, mas neste ano os governos de Inglaterra, Estados Unidos e Índia também estão sendo processados em ações judiciais devido à poluição atmosférica e à mudança climática.


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