Folha de S. Paulo


Na Polônia, uma batalha pelo destino da última floresta primeva europeia

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Floresta de Bialowieza
Floresta de Bialowieza

Em junho, cerca de 30 manifestantes de reuniram ao raiar do dia em Postolowo, uma aldeiazinha no nordeste da Polônia. No limiar de um bosque, eles se algemaram a uma motosserra vermelha capaz de abater até 200 árvores por dia, em protesto contra as operações madeireiras em larga escala na última floresta primeva da Europa.

"Isso é solo sagrado, e precisamos protegê-lo", disse Klaudia Wojciechowicz, 41, uma artista que dirigiu por metade da noite para chegar a Postolowo.

A floresta de Bialowieza, parte do Patrimônio Histórico Mundial da ONU, serve há mais de um ano como campo de batalha entre o governo conservador da Polônia e dezenas de cientistas e ativistas ambientais. As autoridades polonesas argumentam que a exploração da madeira protege a floresta contra uma infestação violenta de besouros que se alimentam de cascas de árvores. A indústria madeireira também é fonte importante de empregos para os moradores locais.

"Eles querem destruir a floresta", disse Mariusz Agiejczyk, gerente assistente de administração florestal no distrito de Postolowo, que estava observando os manifestantes de longe, em meio à névoa do começo da manhã. Ele disse que a infestação já destruiu quatro mil hectares de árvores. "Não fossem esses chamados ecologistas, poderíamos tê-las salvado."

Mas os manifestantes, com apoio dos ambientalistas, dizem que todas as operações invasivas na floresta primeva ameaçam seu ecossistema. Eles têm o apoio da União Europeia, cuja ala executiva alertou o governo polonês de que, se ele não detiver a exploração da madeira, será processado no Tribunal Europeu de Justiça, sob a acusação de violar as normas de proteção ambiental da união.

A Organização de Educação Ciência e Cultura das Nações Unidas (Unesco) também os apoia. Na semana passada, em uma reunião na cidade polonesa de Cracóvia, os delegados aprovaram uma resolução que insta o governo polonês a suspender as operações de extração de madeira na floresta, especialmente nas áreas de árvores mais antigas. A Unesco também está estudando incluir a floresta em sua lista de Patrimônio Histórico sob Ameaça, um status usualmente reservado a terras e propriedades que estejam ameaçadas por conflitos militares e desastres naturais.

"Trata-se de um laboratório biológico único, no qual podemos observar como funcionavam os processos naturais 10 mil anos atrás", disse Tomasz Wesolowski, biólogo florestal na Universidade de Wroclaw. "Mexer em qualquer coisa no interior da floresta é uma barbaridade."

O protesto realizado em Postolowo foi apenas um em uma série de atos de desobediência civil organizados recentemente na área por ambientalistas, para bloquear a ação das madeireiras.

"Já tentamos tudo mais –negociar com o ministério, alertar instituições internacionais", disse Katarzyna Jagiello, dirigente da Greenpeace polonesa. "Chegou a hora de tomarmos medidas desesperadas."

A floresta de Bialowieza é parte das terras baixas europeias que servem como fronteira entre a Polônia e Belarus. Como relíquia das florestas do passado, ela abriga algumas das maiores e mais velhas árvores do continente, além de espécies raras ou extintas em outras áreas. Também abriga a maior colônia europeia de bisões.

A biodiversidade da floresta é imensa e comparável à das selvas tropicais, disse Wesolowski, que há 43 anos visita a Bialowieza para trabalhos de campo, a cada primavera.

Ainda assim, funcionários do governo polonês afirmam que a Bialowieza não é uma floresta dita virgem, ou seja, gerada espontaneamente com uma variedade de espécies, tamanhos e idades de árvores, e interferência humana mínima.

"Não há um único pedaço da floresta que não tenha sido tocado por mãos humanas", disse Grzegorz Bielecki, um dos administradores da Bialowieza, em entrevista.

Isso não importa, rebatem os ambientalistas. "Não existe praticamente lugar algum no planeta que não mostre traços de atividade humana", disse Jerzy Szwagrzyk, da Universidade de Agricultura de Cracóvia, especialista em ecologia e questões florestais. "Mas isso de maneira alguma altera a importância dessa floresta. Não há outra como ela no continente."

Jan Szyszko, ávido caçador e antigo trabalhador no setor de exploração florestal que se tornou ministro do Meio Ambiente da Polônia, disse recentemente ao Legislativo do país que a Unesco havia classificado a floresta de Bialowieza "ilegalmente" como parte do Patrimônio Histórico da Humanidade, em 2014, e solicitou que os procuradores públicos poloneses estudassem essa classificação.

Szyszko, que não respondeu a um pedido de entrevista, se queixou em uma mesa redonda organizada por uma organização noticiosa direitista que a floresta de Bialowieza se havia tornado "uma espécie de carro-chefe para o movimento libertino de esquerda da Europa Ocidental".

Funcionários da organização florestal do governo polonês, que administra as florestas do país –todas elas propriedade do Estado– dizem que a infestação por besouros irrompeu em 2012, depois que o governo polonês anterior, de centro-direita, reduziu significativamente o volume de madeira que podia ser extraído das florestas. Como resultado, eles afirmam que mais de 10% de todos os abetos foram afetados.

O governo triplicou o volume autorizado para extração de madeira, em 2016. Em fevereiro, revogou a proteção a grupos de árvores com mais de 100 anos de idade.

De 2012 para cá, as madeireiras abateram mais de 180 mil árvores infectadas. Das árvores abatidas este ano, 25% tinham pelo menos 100 anos de idade.

Szwagrzyk, da Universidade de Agricultura de Cracóvia, disse que porque a madeira só podia ser extraída de determinadas áreas da floresta –as reservas naturais e o parque nacional estão excluídos–, a infestação pode continuar a se espalhar, partindo dessas áreas protegidas, mesmo que as árvores infectadas na área aberta a exploração sejam abatidas.

A complicada situação legal da floresta complica ainda mais os esforços para protegê-la. Polônia e Belarus vêm administrando suas parcelas da floresta em separado há décadas.

Do lado polonês, há mais de 20 reservas naturais, um parque nacional e uma floresta comercial. Os limites de algumas das reservas são imprecisos, o que gera disputas sobre as áreas em que as madeireiras estão autorizadas a operar.

A melhor solução, concordam os especialistas, seria fazer de toda a floresta um parque nacional, mas o governo da região torpedeou todos os esforços para que isso aconteça.

O destino das árvores que já foram mortas pelos besouros é outra questão em disputa. As madeireiras dizem que a madeira precisa ser cortada por motivos de segurança. Mas os ecologistas dizem que madeira em decomposição é um ingrediente indispensável para bosques primevos. Cerca de 40% dos organismos que vivem neles, incluindo insetos, fungos e pássaros, dependem criticamente de árvores mortas ou moribundas.

Eles afirmam que a direção das florestas estatais polonesas está promovendo o corte de árvores mortas porque precisa do dinheiro. A instituição tem a obrigação legal de ser financeiramente autossuficiente, e quase 90% de sua receita –sete bilhões de zloty poloneses (quase US$ 2 bilhões)– veio da venda de madeira, em 2015.

O escritório distrital de administração florestal disse não manter registros sobre a remoção de árvores mortas, mas Bielecki, um dos administradores distritais, classifica as acusações como "profundamente injustas".

Enquanto o destino da floresta é debatido, Wesolowski, o biólogo, alerta que certas coisas não poderão ser desfeitas.

"Não é possível restaurar uma floresta primeva", ele disse. "Se pudéssemos já o teríamos feito, em algum lugar perto de Berlim ou Londres. Nossa floresta de Bialowieza é única e nós, como idiotas, estamos tentando destrui-la."

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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