Folha de S. Paulo


Órgão ambiental dos EUA quer trocar cientistas por membros da indústria

Há uma semana, o cientista Robert Richardson recebeu um e-mail dizendo que a Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês) não precisava mais do seu trabalho. Richardson integrava há três anos o Painel de Conselheiros Científicos e foi um dos nove cientistas dispensados pelo governo de Donald Trump, no mais recente golpe sofrido pela agência desde que o republicano assumiu.

O mandato de Richardson havia acabado, mas a expectativa era de que ele fosse renovado por mais três anos, prática bastante comum nos conselhos de especialistas da EPA. No lugar dos cientistas, segundo um porta-voz da agência, a ideia é colocar representantes de indústrias "reguladas" pela agência.

"Se a agência prosseguir com a intenção de indicar representantes de indústrias, haverá preocupações claras sobre a objetividade dos conselhos científicos dados pelo painel", disse Richardson à Folha. "Vai ser difícil imaginar como eles poderão assegurar que não há conflito de interesses."

Jim Watson/AFP
O presidente dos EUA, Donald Trump, com o presidente da EPA, Scott Pruitt, após assinatura de decreto contra plano ambiental de Obama
O presidente dos EUA, Donald Trump, com o presidente da EPA, Scott Pruitt, após assinatura de decreto contra plano ambiental de Obama

A mudança em um dos principais conselhos da agência vem depois de Trump determinar um corte de 31% no orçamento da EPA para 2018, o que deverá representar um corte de cerca de 3.200 dos seus 15 mil funcionários. O montante de US$ 8,1 bilhões gasto com a agência em 2016 representava 0,2% do total do orçamento federal.

Para especialistas da área, contudo, o enfraquecimento da EPA começou em dezembro, antes mesmo da posse, quando Trump escolheu o cético sobre mudanças climáticas, Scott Pruitt, para liderar a agência. Pruitt entrou na Justiça 14 vezes contra decisões da EPA quando era procurador-geral de Oklahoma, de 2011 a 2017.

Genna Reed, especialista da União dos Cientistas Preocupados, uma das principais organizações de defesa da ciência nos EUA, cita ainda como golpes à agência dois decretos assinados por Trump: um que desmantela o Plano de Energia Limpa –que restringe a emissão de gases por usinas a carvão- e um que pede a revisão da norma que limita a poluição de rios e lagos.

"A indicação de um negacionista climático com forte ligação com as indústrias de petróleo e gás para liderar a EPA, as ordens que minam políticas para lidar com mudanças climáticas e os esforços do governo para impedir a capacidade da agência de coletar dados importantes ilustram o desprezo do governo Trump pelo papel da ciência no processo de tomada de decisão da EPA", diz Reed.

Richardson lembra o dia, em abril, em que o diretor da agência de proteção ambiental do país escreveu no Twitter que estava ao lado de mineiros para lançar um programa que "mudará o foco da EPA, equilibrando a proteção do meio ambiente com a geração de empregos".

"As mudanças feitas pelo novo governo na agência parecem sinalizar um desdém pela missão da EPA, que não é proteger empregos ou apoiar o crescimento econômico. O objetivo da agência é proteger a saúde humana e o meio ambiente'", disse o cientista, que é professor da Universidade Estadual de Michigan.

Para ele, os impactos dos cortes e mudanças já previstos serão sentidos "diretamente" na qualidade do ambiente e em ameaças para a saúde pública.

Um exemplo disso é a não renovação no Painel de Conselheiros Científicos da bioquímica Paula Olsiewski. A cientista é uma das especialistas em biossegurança –que responde a pandemias naturais e terrorismo biológico– mais respeitadas do país, e teve papel fundamental para conter os casos de ebola registrados no país em 2014.

À Folha, Olsiewski, que pretende disputar um novo mandato na concorrência que será aberta por Pruitt para preencher os nove de 15 postos vagos no painel, não quis polemizar sua saída do órgão. "O presidente quer novos cientistas e engenheiros. Ele quer mais envolvimento da indústria", disse.

ACORDO DE PARIS

Outro tema que tem deixado os membros da EPA apreensivos é se Trump manterá o compromisso assumido pelos EUA no Acordo de Paris, de 2015. A Casa Branca já disse que o presidente anunciará sua decisão após participar do encontro do G7, no fim do mês.

Pruitt, diretor da agência, defende com o estrategista-chefe de Trump, Steve Bannon, que o país abandone o acordo. Outro grupo, liderado pela filha do presidente, Ivanka, e pelo secretário de Estado, Rex Tillerson, advoga pela permanência, prevendo que o acordo dá margem para ajustes nas metas assumidas pelo governo Obama.

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O que é a EPA

CRIAÇÃO
1970

FUNCIONÁRIOS
15.000

ESTIMATIVA DE CORTES
3.200 funcionários

ORÇAMENTO 2016
US$ 8,1 bilhões (0,2% do total do orçamento)

CORTE NAS VERBAS PARA 2018
31% (orçamento irá para US$ 5,6 bilhões)

COMANDO
Scott Pruitt está à frente da agência

INDICAÇÃO POLÊMICA
Indicado por Trump, Pruitt assumiu sob protestos de ambientalistas –como procurador-geral do estado de Oklahoma, Pruitt processou inúmeras vezes a EPA, buscando favorecer a indústria de combustíveis fósseis

NEGACIONISMO
Recentemente, Pruitt declarou que não acredita que as emissões de CO2 sejam a causa primária do aquecimento global –o que contraria o consenso científico. Ele também já se declarou favorável à saída dos EUA do Acordo de Paris

SEM INFORMAÇÃO
Várias páginas do site da EPA relacionadas à mudança climática recentemente foram apagadas. Encontra-se a informação "página não encontrada" ou "a página está sendo atualizada"


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