Folha de S. Paulo


Cientista brasileiro tenta explicar por que peixes de corais não se camuflam

Wikimedia Commons
Peixes de recife de coral, que têm cores berrantes e padrões chamativos porque ambiente imprevisível não permite camuflagem, segundo estudo
Peixes de recifes de coral, que não se camuflam porque seu habitat é colorido e imprevisível, diz estudo

Se ficar o bicho come, se correr o bicho pega. Mas nada é tão simples quanto este clichê na natureza. Os bichos no caso –a presa e o predador– podem estar camuflados. Suas cores se confundem com o ambiente. A presa –a zebra, o antílope, por exemplo–pode se esconder e viver; o predador, leão ou leopardo, pode chegar perto e obter uma refeição.

A camuflagem evoluiu biologicamente como um meio para dificultar a visualização pelo predador ou pela presa. É o caso dos leões com a cor da vegetação marrom claro das savanas, dos tubarões e suas colorações azuladas, ou dos brancos ursos polares em meio ao gelo ártico.

Mas apesar dessa óbvia lógica favorecendo coloração discreta, os peixes de recifes de coral mostram o contrário: cores berrantes, todo o espectro do arco-íris reproduzido em algumas espécies, em alguns locais do oceano.

Como isso é possível? Charles Darwin (1809-1882), o principal autor da teoria da evolução, já se perguntava isso, assim como o coautor independente da teoria, Alfred Russel Wallace (1823-1913).

O pesquisador brasileiro Wladimir Jimenez Alonso apresentou agora uma teoria que explica por que peixes tão coloridos são encontrados de forma abundante nos recifes de coral, tanto em uma conferência –a da International Society of Behaviour Ecology, no Reino Unido– como em um artigo científico, no periódico "F1000Research".

A teoria foi desenvolvida quando ele esteve no Laboratório de Estudos Ecológicos e Evolutivos Humanos do Departamento de Biociências da USP. Ele é membro honorário do laboratório, dirigido pelo antropólogo Walter Neves. Segundo Alonso, "por apresentarem complexidade e diversidade de cores tão grande, os recifes não permitem que os peixes que nadam neste ambiente possam se camuflar."

Eles vivem no que ele chama um "mundo hipervisível" –"um mundo de água transparente caracterizado pela multiplicidade de cores e padrões imprevisíveis". Ou seja, como a camuflagem não é possível, a teoria propõe que os padrões de cores corpóreas "evoluem em resposta a outras pressões seletivas, como atração sexual, territorialidade e reconhecimento de espécie".

Mas a coisa vai mais longe. Existem bichos multicoloridos em terra também –em geral aves, raramente mamíferos. A ideia do "mundo hipervisível" não serve para explicar as coloridas araras em meio ao verde da floresta amazônica.

Outra hipótese se aplica ao caso: a do "mundo despreocupado". Certos animais conseguem viver praticamente livres de predação. É o caso das araras, que não tem predadores habituais e conseguem se defender de modo hábil com seus bicos capazes de quebrar nozes. Outro exemplo de quem vive no "mundo despreocupado" são os beija-flores, capazes de voar a velocidades que nenhum predador potencial atinge.

Comentando o estudo, Theodore Stankowich da Universidade Estadual da Califórnia, afirmou que seria interessante entender o que acontece nas margens dos recifes de coral –quando a luz visível se modifica, e as cores vermelhas e laranjas tendem a aparecer como marrons e em seguida azuis.

Alonso responde que essas zonas de transição são "fascinantes" porque os fatores que favorecem diferentes forças de seleção natural podem mudar em apenas alguns metros de profundidade, o que justifica que sejam feitos estudos de campo relacionados.

O trabalho de Alonso é baseado em um pano de fundo de corais multicoloridos, complexos e imprevisíveis. Mas, seriam eles tanto assim, do ponto de vista de um predador talvez incapaz de distinguir cores tão bem, pergunta Brian Langerhans, da Universidade Estadual da Carolina do Norte?

Para Alonso, fica claro que além de estarem em águas claras tropicais, os corais têm peixes cuja visão foi estudada, e se demonstrou que pode ser até mais sofisticada do que a humana, por exemplo enxergando luz ultravioleta. Concluindo, o "mundo hipervisível" é de fato altamente visível.

EXÉRCITO

Os exércitos tinham uniformes muito coloridos até a metade do século 19. Era mais fácil aos comandantes reconhecerem suas tropas e as do inimigo. Com o aumento do alcance das armas, uma forma de camuflagem se tornou aos poucos necessária.

As cores eram sólidas –como o khaki britânico, o cinza alemão. Só na Segunda Guerra surgiram uniformes camuflados com padrões coloridos. Os pioneiros foram os alemães, com padrões que imitavam árvores e a luz filtrando pela floresta, em padrões mais esverdeados para o verão, com mais marrom para o outono. Também surgiram camuflagens para aviões e navios.

Imitar o terreno sempre foi a norma, como a camuflagem de deserto americana da Guerra do Golfo, que incluía pedriscos "sombreados" e ficou conhecida como padrão "chocolate chip".

Imitar uma camuflagem animal também foi algo usado. Os sul-vietnamitas e americanos usaram na Guerra do Vietnã uma camuflagem imitando listras de tigre. O exército do antigo Zaire (hoje República Democrática do Congo) tinha uma padrão imitando pintas de leopardo


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