Folha de S. Paulo


Biólogo especialista em classificar espécies está ameaçado de extinção

Se esse animal for extinto, promete levar cerca de outros oito milhões de seres vivos com ele. O taxonomista, biólogo especialista em identificar e classificar a vida no planeta, está ameaçado.

Uma nova espécie de peixe –coletada na bacia do Rio Madeira, no Estado do Amazonas– descoberta agora por cientistas, pode ser a exceção desse trabalho. De acordo com o pesquisador Murilo Pastana, faltam especialistas para examinar outros espécimes coletados e avaliar a riqueza do local.

Os bichos à espera de nome vão integrar os cerca de oito milhões de seres vivos, segundo estimativas conservadoras, sobre os quais nada se sabe –sendo que há quase 2 milhões de espécies registradas, ou só um quinto do total.

"Ao não conhecer a biodiversidade, abrimos um flanco para que as espécies ameaçadas de extinção, ainda sem nome, não sejam protegidas", afirma o professor da Unesp Célio Haddad, especialista em anfíbios. Ele cita outra perda importante: sem conhecer novas espécies, perde-se um mundo em potencial de princípios bioativos para desenvolver medicamentos. "Somos diretamente afetados."

Uma das causas é que essa não é uma ciência tão "sexy" quanto a bioquímica ou a genética, diz ele, e não atrai tantos alunos. Outra é a falta de estímulo à pesquisa.

O investimento em um dos principais projetos de incentivo da área, o Protax (Programa de capacitação em taxonomia), do CNPq e da Capes (agências federais de fomento à pesquisa), sofreu cortes. Em 2010, o investimento foi de R$ 19 milhões. Em 2015, R$ 12 milhões. Segundo o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, o valor ainda pode crescer com a adesão de outras fundações –já houve aporte adicional de R$ 1,5 milhões.

A pasta informa que o investimento anual do governo na área da taxonomia gira em torno de R$ 1 milhão anual. O número representa 0,02% do orçamento para ciência, tecnologia e inovações neste ano, de R$ 4,1 bilhões, valor que também sofreu cortes: em 2015, o orçamento para a área foi de R$ 7,37 bilhões.

Descobrindo uma nova espécie

Para Antonio Carlos Marques, diretor do Centro de Biologia Marinha da USP e autor de um estudo de dez anos atrás que indicava a necessidade de ampliar o investimento na área, é preciso haver uma política de Estado que estimule a formação contínua de novos especialistas.

Ele diz que há biomas brasileiros que são "um deserto de taxonomistas", como o mar profundo do Atlântico Sul.

"O homem manda foguetes para outros planetas para descobrir se há vida lá fora, mas não investe para conhecer os organismos do planeta Terra", observa o pesquisador do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), José Albertino Rafael.

Região mais diversa do Brasil (estima-se que abrigue 60% das espécies), a Amazônia tem entre 12 e 15 taxonomistas atuantes, segundo Rafael. Um profissional para áreas do tamanho do Acre.

Foi na região Amazônica, na bacia do rio Madeira, que os pesquisadores da USP Murilo Pastana e Willian Ohara descobriram uma nova espécie de peixe, "com colorido bastante vivo" e de pequeno porte, menos de 5 cm.

Mas o bicho, coletado numa cachoeira próxima ao município de Apuí (AM), "já nasce ameaçado", diz Pastana. Para chamar atenção à necessidade de preservação, os pesquisadores batizaram o peixe de Hyphessobrycon procyon –procyon é uma alusão à estrela que representa o Amazonas na flâmula nacional.

Para Rafael, do Inpa, nós já "perdemos essa guerra" porque "a destruição é muito mais rápida do que nossa capacidade de estudo".

Em todo planeta é assim. A crise é até menor no Brasil, um dos países com maior representatividade de taxonomistas –embora muito aquém do desejável–, por causa de sua megabiodiversidade.

O consultor em ecologia britânico e especialista em pulgões Graham Hopkins, autor de um trabalho que aponta o declínio desse tipo de profissional no Reino Unido, diz que é preciso engajar o público nas descobertas.

"Alguns pesquisadores ficaram bravos quando outros batizaram uma mosca como Beyoncé. Se tivessem homenageado um velho cientista, ninguém se interessaria. É preciso propagar nosso trabalho."

Marques e cientistas americanos fizeram isso ao descobrir uma nova e deslumbrante espécie de água-viva. Promoveram um concurso on-line para decidir seu nome. Resultado? Tamoya ohboya, alusão a "Oh boy!" (minha nossa!), reação das pessoas ao verem esse animal.

COMPARAÇÃO

Como que esses cientistas identificam uma nova espécie? Por comparação, basicamente. Pesquisadores colhem amostras de uma população e analisam sua morfologia (cor ou forma, por exemplo), seu comportamento e genética, entre outros. Eventuais diferenças apontarão se representam uma nova espécie.

Haddad, o especialista em anfíbios, já identificou cerca de 50 espécies da classe. Foi a cor vermelha do Brachycephalus pitanga, o "sapinho-pitanga", de cerca de 1 cm, por exemplo, que o diferenciou de animais com características semelhantes.

O sapo é endêmico da Mata Atlântica, diz o pesquisador, "e desaparecerá com o desmatamento da floresta e com o aquecimento global, pois necessita de temperaturas amenas para sobreviver".


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