Folha de S. Paulo


Ampliação do canal de Suez ameaça biodiversidade do mar Mediterrâneo

O mar Mediterrâneo abriga uma imensa biodiversidade, e, há muito tempo, cientistas temem que ela esteja correndo perigo. Hoje, um outro risco vem ganhando atenção especial: a chegada de espécies invasoras.

Uma das poucas saídas do Mediterrâneo é o canal de Suez, aberto há 146 anos, que liga o Mediterrâneo ao mar Vermelho e ao oceano Índico. O canal criou uma rota marítima vital entre a Europa e a Ásia. Mas cientistas temem que sua ampliação possa levar mais espécies invasoras às frágeis águas do Mediterrâneo.

Em 2014, o Egito anunciou planos para a construção de mais 72 quilômetros de canal –em parte, será um canal paralelo–, para permitir a passagem mais rápida de navios. Hoje, as embarcações muitas vezes são obrigadas a esperar, porque o canal é estreito: em alguns trechos, tem apenas 300 metros de largura.

Devido à ampliação do canal de Suez, o problema do mar Mediterrâneo com as espécies invasoras está ficando "pior que em qualquer outro lugar do mundo", disse Bella Galil, cientista do Instituto Nacional de Oceanografia israelense.

Entre as espécies nada bem-vindas que chegaram à região estão medusas venenosas, que, além de prejudicar a ecologia natural, assustam turistas e às vezes bloqueiam saídas de água pertencentes a usinas hidrelétricas ou de dessalinização. Outro invasor preocupante é o baiacu, que libera uma neurotoxina capaz de prejudicar outros peixes e os humanos que o consomem.

As espécies invasoras se concentram especialmente na parte oriental do Mediterrâneo.

Segundo uma carta enviada em dezembro por Julia Marton-Lefèvre, então diretora-geral da União Internacional para a Conservação da Natureza, a Karmenu Vella, comissário europeu do meio ambiente, assuntos marítimos e pesca, o canal de Suez já é visto como "uma das rotas mais importantes no mundo de invasões marítimas".

Algumas espécies invasoras pegam carona na água de lastro de navios, problema que a Organização Marítima Internacional procura tratar com a ajuda de novas regras sobre o tratamento da água de lastro. Outras aderem aos cascos de navios. Mas muitos animais simplesmente nadam pelo próprio canal de Suez.

"A ampliação e o aprofundamento do canal do Suez vão tornar o ambiente dentro do canal mais estável, de modo que será mais fácil para novas espécies atravessá-lo e potencialmente invadir o Mediterrâneo", disse em e-mail Michel Bariche, especialista em questões marítimas do Mediterrâneo na Universidade Americana de Beirute, no Líbano. Segundo ele, uma vez que chegam, as espécies invasoras bem-sucedidas muitas vezes competem com as espécies nativas e as derrotam.

Os defensores da ampliação do canal citam oportunidades econômicas importantes.

José Herrera, secretário parlamentar de competitividade e crescimento econômico de Malta, diz que a ampliação do Suez vai beneficiar a região mediterrânea. "A presença de mais tráfego marítimo não significa, por si só, que haverá efeitos adversos", disse. Situada na principal rota de transportes marítimos entre a Europa e a Ásia, Malta vem se esforçando para crescer como centro de transportes marítimos e de logística.

Galil comentou que o projeto do Suez pode aprender com a ampliação semelhante que está em curso no canal do Panamá, aberto há mais de um século. "Do ponto de vista da invasão biológica, o canal do Panamá é bem administrado", comentou, observando que eclusas impedem a transferência de água entre os oceanos Atlântico e Pacífico.


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