Folha de S. Paulo


Proposta do Brasil encontra barreira na conferência do clima

No oitavo dia dos onze previstos para negociações na COP 20, a Conferência do Clima da ONU em Lima, no Peru, a proposta do Brasil de criar um modo alternativo de dividir obrigações entre países ricos e pobres está com destino incerto.

A menção aos "círculos concêntricos", nome dado ao novo conceito criado pelo Itamaraty, sumiu na última versão do rascunho daquele que será o acordo global para redução de emissões a ser assinado no fim do ano que vem em Paris.

A ideia do Brasil era que países em desenvolvimento com condições econômicas melhores pudessem contribuir com algum tipo de meta de corte de emissões, ainda que não fosse em valores absolutos. Os objetivos seriam estabelecidos em termos de emissões per capita ou em relação a um aumento projetado para o futuro, por exemplo. À medida que os países mais pobres melhorassem seus padrões de vida, suas ambições de corte de emissão deveriam crescer.

Mas não está claro se os países mais ricos –que pressionam há muitos anos para que o novo acordo inclua metas de corte definidas em termos absolutos para países em desenvolvimento– aceitarão a proposta. O resultado, por ora, é que a ideia brasileira sumiu do rascunho do acordo, que em tese ainda nem está em período de apagar propostas, apenas de reuni-las.

"A proposta do Brasil não foi incorporada na sua inteireza no texto, e estamos trabalhando justamente para recuperá-la", diz o embaixador Antonio Carvalho, negociador-chefe do Brasil na COP. "Ela foi mencionada em partes esparsas e não necessariamente de forma correta."

Como os círculos concêntricos buscam uma maneira de romper o impasse entre países ricos e pobres que se estende há anos, porém, não é impossível uma reviravolta.

"Não acho improvável que a proposta do Brasil possa voltar", diz Carlos Rittl, especialista da ONG Observatório do Clima, que acompanha as negociações como observador. "Talvez o conceito volte e esse gradiente entre países apareça."

ORÇAMENTO DE CARBONO

A intenção do acordo do clima, segundo um consenso já obtido entre os países, é de segurar o aumento de temperatura abaixo de 2°C acima da era pré-industrial. O esboço do acordo, porém, ainda não inclui um "orçamento de carbono", ou seja, não estabelece quanto CO2 pode ainda ser jogado na atmosfera sem que o limite seja ultrapassado.

Cientistas afirmam que o orçamento de carbono impõe uma data limite para que as emissões caiam a zero, um valor que varia entre 2050 a 2060, se considerarmos que a atmosfera só suporta mais 1 trilhão de toneladas de CO2 (desde a era pré industrial já foram emitidos 1,9 trilhão). Segundo Carvalho, é improvável que tal número seja incluído no acordo.

"Hoje os países estão trabalhando a partir de um enfoque nacionalmente determinado [com cada nação propondo qual será sua contribuição", que não é imposto de cima para baixo", diz o embaixador. "O orçamento de carbono tem esse viés de imposição."

Na visão do Itamaraty, estabelecer um valor para o bolo máximo de emissão vai contra o princípio das responsabilidades históricas, segundo o qual os países ricos, que emitiram mais CO2 no passado, devem ter mais obrigações de reduzir emissões no futuro.

Numa reunião ministerial do Basic –grupo de grandes países emergentes que reúne Brasil, Africa do Sul, Índia e China–, as autoridades presentes reafirmaram que não pretendem deixar os países ricos "reescreverem a convenção do clima", apagando a distinção entre países ricos e pobres.


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