Folha de S. Paulo


Índia projeta maior consumo de carvão e dificulta acordo do clima

Décadas de mineração a céu aberto fizeram esta cidade no meio das jazidas carboníferas da Índia parecer uma paisagem lunar, com montanhas de escória preta, ar empesteado de enxofre e moradores enfermos.

No entanto, em vez de recuperar essas colinas ou reformular sua exploração, o governo está escavando mais fundo, em uma corrida por carvão que poderá acelerar uma mudança climática irreversível no mundo e tornar as cidades da Índia, já entre as mais poluídas do mundo, ainda mais inabitáveis.

"Se a Índia continuar intensificando sua exploração de carvão, todos nós estaremos fadados a um fim trágico", disse Veerabhadran Ramanathan, do Centro de Ciências Atmosféricas do Instituto Scripps de Oceanografia na Califórnia, um dos principais cientistas especializados em questões climáticas. "E nenhum lugar sofrerá mais que a própria Índia."

Os planos de mineração de carvão da Índia podem representar o maior obstáculo para um pacto climático global que deverá ser negociado em Paris no próximo ano. Enquanto os EUA e a China anunciaram um acordo histórico que inclui novas metas para emissões de gás carbônico, e a Europa se comprometeu a reduzir 40% das emissões de gases do efeito estufa, a Índia, o terceiro maior emissor do planeta, demonstrou indiferença em relação a esses pactos.

"Os imperativos de desenvolvimento da Índia não podem ser sacrificados no altar de potenciais mudanças climáticas nos anos vindouros", afirmou recentemente o ministro de Energia, Piyush Goyal.

O primeiro-ministro Narendra Modi se comprometeu a construir numerosas usinas de energia solar, e alguns projetos estão em andamento. Goyal, porém, prometeu dobrar o uso de carvão doméstico na Índia de 512 milhões de toneladas métricas no ano passado para cerca de 1 bilhão em 2019.

Segundo cientistas, a corrida por carvão da Índia poderá deixar o mundo à beira de uma mudança climática irreversível, e o próprio país será um dos mais afetados.

As cidades indianas já estão entre as mais quentes e poluídas do mundo. Calcula-se que 37 milhões de indianos poderão ser deslocados devido à elevação dos mares em 2050, um número muito superior ao de qualquer outro país.

A maior parte do carvão da Índia é de má qualidade, e seu alto teor de cinzas o torna quase duas vezes mais poluente que o carvão do Ocidente.

Enquanto a China obtém 90% de seu carvão de minas subterrâneas, 90% do carvão da Índia provêm de minas a céu aberto, muito mais prejudiciais ao meio ambiente.

As minas e usinas de energia elétrica da Índia, que tem o triplo da densidade populacional da China, afetam diretamente milhões de habitantes. A intoxicação por mercúrio amaldiçoa gerações de pessoas que vivem em vilarejos, as quais apresentam corpos deformados, dentes deteriorados e distúrbios mentais.

A cidade de Dhanbad parece um cenário cinematográfico pós-apocalíptico, com aldeias cercadas por montes de escória encobertos pela fumaça acre exalada por fogueiras. A mineração e as fogueiras causam uma acomodação do solo que engole casas. Às vezes os corpos dos habitantes nunca são achados.

Moradores acusam o governo de permitir que as fogueiras os queimem e a poluição os intoxique, a fim de forçar a população a abandonar terras necessárias para a corrida pelo carvão.

"O governo quer mais carvão e para isso está expulsando as pessoas de seus locais de origem", afirmou Ashok Agarwal, do Comitê pela Salvação da Jazida Carbonífera de Jharia, um grupo civil.

T. K. Lahiry, presidente da empresa estatal Bharat Coking Coal, que controla boa parte da região de Jharia, negou haver negligência quanto às fogueiras e à poluição, porém admitiu que dezenas de milhares de moradores devem ser deslocados para que a Índia supra suas necessidades de carvão.

A Índia tem as quintas maiores reservas de carvão do mundo, mas produz pouco petróleo e gás natural. O país tem construído muitas usinas de energia elétrica movidas a carvão nos últimos cinco anos, aumentando a capacidade em 73%. Todavia, a mineração de carvão cresceu apenas 6%, o que resulta em importações caras do minério, indústrias ociosas e apagões generalizados.

Quase 300 milhões de indianos não têm acesso à eletricidade. "A Índia continuará usando carvão, pois é o recurso que possui", disse Chandra Bhushan, do Centro de Ciência e Meio Ambiente, com sede em Déli.

Cada indiano consome em média 7% da energia usada por um americano, e as autoridades indianas repudiam críticas feitas por países ricos. "Seria razoável esperar mais imparcialidade nas discussões e o reconhecimento de que a Índia tem o direito de atingir o nível de desenvolvimento do Ocidente", afirmou Goyal.

A maior esperança da Índia para salvar a si própria e ao mundo de uma possível distopia ambiental se encontra no cerrado nas cercanias do vilarejo de Neemuch, no Estado de Madhya Pradesh, no oeste do país. A Welspun Energy construiu ali a maior usina de energia solar da Ásia, uma fazenda silenciosa de painéis fotovoltaicos que custou US$ 148 milhões, em 323 hectares de terra estéril.

Os benefícios da energia solar e os custos ambientais do carvão são tão profundos que só resta à Índia investir mais em fontes de energia renováveis, comentou Rajendra K. Pachauri, do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, "A Índia não pode seguir o caminho da China", disse ele, "pois as consequências para o bem-estar público são absolutamente catastróficas."


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