Folha de S. Paulo


Ilhas Galápagos servem de modelo para entender aquecimento global

A Unesco classifica as ilhas Galápagos como um "museu vivo e uma vitrine da evolução", mas elas são muito mais do que isso.

As ilhas se tornaram o maior laboratório de conservação do mundo, que cientistas e o governo equatoriano promovem como um modelo de como a humanidade pode prevenir, ou mesmo reverter, a catastrófica e constante extinção de espécies ocorrida desde que Charles Darwin observou pela primeira vez os tentilhões na região. Agora esses esforços são mais importantes do que nunca, já que pesquisas recentes indicam que Darwin estava errado quando rejeitou a teoria evolutiva da catástrofe natural.

De acordo com um recente relatório da ONG ambiental WWF, as populações de mais de 10 mil espécies de vertebrados diminuíram em média 52% entre 1970 e 2010. Na América do Sul, a extinção de espécies alcançou a impressionante taxa de 83%.

Esse é o processo que os cientistas chamam de "sexta extinção", comparável às cinco extinções em massa anteriores no planeta. Mas, ao contrário das outras, a destruição atual é totalmente antropogênica -ou seja, resultado da atividade humana. Os cenários mais pessimistas estimam que, se as temperaturas mundiais continuarem a subir, um quarto das espécies do globo será extinto dentro de 20 a 30 anos.

Nos últimos anos, cientistas têm apontado a mudança climática como um grave perigo ao ecossistema das ilhas Galápagos, que depende da confluência de correntes oceânicas quentes e frias. Alguns estudos já encontraram indícios de que mudanças abruptas da temperatura dos mares causaram a degradação de recifes de corais, e um cientista previu que os pinguins de Galápagos podem um dia ser forçados a viver em "condomínios" construídos pelo homem, caso o aquecimento global persista.

Mas a mudança climática é apenas uma das ameaças. Em 2007, a Unesco decidiu classificar Galápagos como Patrimônio Mundial, pelos riscos devido ao turismo, à migração e à caça e pesca predatórias. Mas, numa decisão criticada por alguns conservacionistas, a agência da ONU retirou a região da lista de locais ameaçados depois que o Equador adotou medidas enérgicas para proteger as ilhas.

As marcas do esforço conservacionista são visíveis por todos os lados nas ilhas: na cuidadosa triagem das bagagens antes da chegada; na descontaminação das esteiras no aeroporto de Baltra; nos caminhos especialmente demarcados que todos os visitantes precisam seguir; nos sinais de alerta contra espécies invasoras trazidas pelos navios; nos programas de reprodução de tartarugas da Fundação Darwin.

À primeira vista, os esforços parecem estar funcionando. Saindo do aeroporto em Baltra, veem-se tesourões pairando tranquilamente no céu. Em passeios de barco, é fácil notar tartarugas-marinhas acasalando no oceano, leões-marinhos espalhados pelas rochas ou uma iguana-marinha congelada em uma pedra.

Mas essa sedutora combinação de Parque dos Dinossauros com o "Jardim das Delícias Terrenas", de Bosch, não está imune a ameaças humanas. Mais de 170 mil turistas visitam Galápagos anualmente, onde encontram carros, bares e restaurantes à sua disposição, e a proliferação de precárias casas feitas com blocos na localidade de Santa Cruz é um sinal de que há 30 mil pessoas morando nas ilhas, muitas delas a serviço da atividade turística.

Os salários nas ilhas são três vezes maiores do que no continente, e os moradores nem sempre estão preocupados com a conservação, apesar do curso de uma semana que o governo exige para novos habitantes. O crescimento da população tem elevado o risco de espécies invasoras, um dos instrumentos mais destrutivos da "sexta extinção". Os humanos já não caçam tartarugas ou iguanas, como na época de Darwin. Hoje, cabras, burros, cães, gatos e ratos são, muitas vezes, os fatores destrutivos.

A erradicação e os programas de reprodução em cativeiro eliminaram algumas ameaças. Cabras foram removidas da ilha Pinta, e "cabras Judas" eletronicamente identificadas estão auxiliando guardas florestais a localizarem esses animais em outras ilhas. Cães selvagens já não aterrorizam as iguanas da ilha Seymour Norte, e a introdução de joaninhas afugentou as cochonilhas brancas que se alimentavam de plantas e árvores nativas.

Jorge Carrión, diretor de gestão ambiental do Serviço do Parque Nacional de Galápagos, disse que é um sucesso o fato de 95% das espécies existentes nas ilhas na época de Darwin ainda estarem presentes. As técnicas em desenvolvimento para lidar com as espécies invasoras e a pesquisa sobre o impacto do aquecimento global oferecem lições para o resto do mundo.

A destruição das ilhas Galápagos não seria apenas um desastre para um dos lugares mais extraordinários do mundo, como também significaria mais uma prova de que a silenciosa catástrofe em curso no nosso planeta pode ser incontrolável.


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