Folha de S. Paulo


Mudança climática ameaça economia de comunidades tradicionais mongóis

Genghis Khan sempre agradecia ao deus Tengri –o Eterno Céu Azul– por tê-lo ajudado a unificar o vasto Império Mongol no início do século 13.

Aparentemente, a ciência do século 21 está provando que ele tinha razão. Há pouco tempo, pesquisadores que estudam antigos anéis anuais em árvores acharam provas de que o Grande Khan chegou ao poder durante um período climático excepcionalmente ameno que durou 15 anos. Anos a fio de chuvas abundantes e temperaturas favoráveis -conhecidos como pluviais, o contrário de anos de seca- favoreceram a criação dos animais necessários para abastecer um exército.

Hoje em dia, a situação climática da Mongólia apresenta mudanças radicais. Segundo os dados obtidos em anéis anuais de árvores, uma seca de dez anos e uma onda de calor de 2000 a 2010 foram as mais severas enfrentadas pelo país em um milênio.

Rachel Nuwer - 22.set.2014/The New York Times
Ayush Ish, que perdeu seu rebanho duas vezes por conta das itempéries meterológicas
Ayush Ish com seu filho e neto; a mulher perdeu seu rebanho duas vezes por conta do mau tempo

Na população atual da Mongólia há predominância de pastores, não de guerreiros. São quase 3 milhões de pessoas em um vasto trecho de deserto e em pastos ondulantes nas estepes. Cerca de um terço dos mongóis ainda cria animais de forma seminômade, como seus antepassados, e transfere sua casa -tradicionalmente uma tenda em forma de domo chamada ger- conforme as estações. Embora televisões e painéis solares sejam comuns, os pastores ainda contam com o conhecimento milenar para sobreviver no ambiente hostil, em que a temperatura pode cair a 26 graus centígrados abaixo de zero no inverno.

Todavia, os ciclos previsíveis de calor e frio, chuva e neve começaram a falhar. A média de temperatura anual aumentou mais de 2°C desde 1940; paradoxalmente, os meses de inverno têm sido mais frios. Ribeirões e lagos começaram a secar, e há incêndios frequentes em estepes e florestas.

Dzuds -eventos extremos no inverno que causam a morte em massa de animais de criação- também estão aumentando. De 1999 a 2002, uma sucessão de dzuds seguida de secas nos verões matou 30% de todos os animais, e um dzud em 2010 ceifou 8,8 milhões de animais -4,4% da produção econômica do país.

Ayush Ish, 69, sempre morou no deserto de Gobi. Ela perdeu suas cabras e ovelhas em 2002, e pouco a pouco formou novos rebanhos. Porém, com o dzud de 2010, sobraram apenas 20 animais. "Não sei se isso acontecerá novamente", disse ela. O aumento da mineração e o uso excessivo de pastagens por criadores que visam o mercado de caxemira causaram uma ampla desertificação. Esses padrões são maus indícios para o estilo de vida dos pastores. Depois dos dzuds de 1999 a 2002, 180 mil pessoas mudaram-se para a capital, Ulan Bator, em busca de uma vida melhor.

Quem vai para a capital geralmente se fixa em um amplo bairro improvisado de tendas. Embora os arranha-céus do centro sejam visíveis, há grande carência de serviços básicos. Famílias queimam carvão e lixo para se aquecer, o que contribui para que Ulan Bator seja uma das cidades mais poluídas do mundo.

Khishigee Shuurai, 36, mudou-se para a capital há cerca de 15 anos. Recentemente a tenda onde ela vive com a família passou a ter energia elétrica.

"Há muitos motivos para ficar aqui, e não tenho a menor vontade de voltar", afirmou ela.


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