Folha de S. Paulo


Diminuição da taxa de desmatamento esbarra em "piso"

O desmatamento da Amazônia desapareceu do debate eleitoral, e o governo Dilma Rousseff tem bons motivos para mantê-lo fora: a redução das taxas de destruição esbarrou num "piso" duro de romper, indica pesquisa de institutos da Suécia, da Espanha e da Indonésia.

O Brasil se comprometeu a diminuir a área desmatada a cada ano em 84%, para 3.925 km², até 2020. Chegou perto disso em 2012, com 4.571 km², mas em 2013 um repique de 29% levou a taxa a 5.891 km².

Para Dilma, foi um "aumentinho", como disse na Cúpula do Clima em Nova York. Mas é também um sintoma de que o país pode descumprir a meta que adotou.

O estudo em questão foi liderado por Javier Godar, do Instituto Ambiental de Estocolmo. Saiu nesta semana pelo periódico "PNAS".

Alex Argozino/Editoria de Arte/Folhapress

Ele inova ao usar como unidades de análise de 13,3 mil distritos censitários delineados pelo IBGE na Amazônia. Levantamentos similares só consideravam municípios.

O trabalho mostra que as áreas dominadas por grandes propriedades na Amazônia ainda concentram a devastação (47,7% do desmatamento acumulado até 2011). Mas revela, também, que deram contribuição desproporcional para a redução, com 55,5% do desmatamento evitado entre 2004 e 2011 (em relação à média de 1996-2005).

Já os setores em que predominam as pequenas propriedades responderam por apenas 14% de toda a destruição amazônica e meros 11% do que se evitou em derrubadas.

Com isso, a contribuição das pequenas propriedades para o desmatamento anual aumentou. A partir de 2008, essa classe se tornou a mais importante, superando as propriedades grandes.

COMANDO E CONTROLE

"Interpretamos nossos resultados sobre o aumento relativo na contribuição para o desmatamento dos pequenos proprietários como um argumento forte em favor de uma mudança na direção de medidas mais baseadas em incentivos [do que em fiscalização]", diz Javier Godar.

Políticas de "comando e controle" contra o desmatamento, como multas, embargos de fazendas e restrição ao crédito, foram eficazes contra as propriedades maiores. Seriam altos os custos logísticos, econômicos e políticos, contudo, de aplicá-las a todos os pequenos agricultores.

Algo do tipo foi feito em 2013 contra as derrubadas em assentamentos de reforma agrária. O Ministério Público Federal iniciou ação contra o Incra e obteve um acordo em que o instituto se comprometia a reduzir a devastação.

Segundo o procurador da República Daniel Azeredo, à frente da iniciativa no Pará, o cumprimento do acordo merece "nota 6,5", por ora.

Ele concorda com os autores do estudo em que os pequenos produtores precisam de incentivo, e não de repressão, para adotar práticas menos destrutivas que a pecuária, na linha dos sistemas agroflorestais (plantações conjuntas de espécies nativas como cupuaçu e açaí).

Azeredo cita como exemplar o programa Municípios Verdes, do governo do Pará. As prefeituras que aderem se obrigam a não ultrapassar 40 km² de desmatamento, a fazer o cadastro ambiental de 80% da área rural e a mapear todos os desmatamentos.

Em retribuição, todos os produtores têm as propriedades desembargadas, entre outras coisas para reativar o crédito bancário. "A lógica é coletiva", diz o procurador. "Ou a comunidade toda muda de cultura de produção, ou ninguém recebe o benefício."

Azeredo considera que a meta de reduzir o desmatamento a menos de 4.000 km² é factível: "Poderia ser facilmente alcançada em 2016".

OUTRO LADO

Francisco Oliveira, do Ministério do Meio Ambiente (MMA), concorda que a redução das taxas anuais chegou "a um patamar importante".

Oliveira dirige o Departamento de Políticas para o Combate ao Desmatamento do MMA. Sua ressalva ao estudo de Javier Godar é a falta de diferenciação entre grandes propriedades e grande polígonos de desmatamento.

Uma grande área desmatada pode resultar da ação de pequenos produtores no interior de um assentamento de reforma agrária. Por outro lado, grandes proprietários passaram a fazer derrubadas pequenas, menores que 25 hectares, para burlar o limite de detecção dos satélites usados pelo MMA.

Ele qualifica os resultados do estudo sobre o papel de pequenos e grandes proprietários como "inferências" que se baseiam apenas em modelagem por computador. "Só vamos saber de fato quando tivermos o CAR", afirma.

CAR é o cadastro ambiental rural, registro de passivos ambientais das propriedades previsto no Código Florestal.

O diretor do DPCD/MMA relaciona outras iniciativas do governo federal que devem ajudar a romper a barreira dos 4.000 km² anuais e a cumprir a meta brasileira.

A primeira é um convênio com a Índia para usar imagens de satélites quatro vezes mais acuradas (6 ha). Isso dificultaria a ação de quem desmata menos de 25 ha por vez.

A pasta informa também que o programa Terra Legal regularizou 7 milhões de hectares (70 mil km²) na Amazônia, e outros 7 milhões estariam a caminho. Ainda faltam 48 milhões de hectares.


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