Folha de S. Paulo


Reserva na Europa tenta recriar ambiente selvagem de séculos atrás

Nos arredores deste povoado perto da fronteira da Espanha com Portugal, dois guardas florestais estavam construindo um ninho para ajudar cegonhas-pretas, uma espécie ameaçada, a atrair parceiros. Outros alimentavam urubus com carcaças de frango. Cavalos e gado de raças antigas transplantadas para o local pastavam nas proximidades.

Cinco anos atrás, esta reserva era uma fazenda de gado. Suas lagoas estavam entupidas com dejetos animais e seus carvalhos estavam atrofiados, tendo sido podados por anos. Mas há sinais visíveis de mudança, desde arbustos que brotam por toda parte até a abundância de rãs na lagoa. "Hoje vemos muito mais vida aqui", comentou Diego Benito, administrador da reserva de 485 hectares, coberta de gramíneas.

A Reserva Biológica Campanários de Azaba está na vanguarda de um novo movimento de conservação que avança rapidamente na Europa, aproveitando terras agrícolas em desuso para recriar áreas silvestres. Os defensores da chamada "renaturalização" querem restaurar ecossistemas que não existem há 10 mil anos e falam em levar leões, rinocerontes e elefantes de volta à Europa.

A reserva Campanários trabalha com a fundação holandesa Taurus e com várias universidades para criar e então reintroduzir algo que se assemelhe muito ao auroque, espécie de gado bovino gigante extinto no século 17.

A ideia é encontrar variedades bovinas com características primitivas e empregar a criação seletiva e cruzada para desenvolver um animal que viva e paste como faziam os auroques.

A maioria das dezenas de projetos em curso na Europa tem um objetivo menos radical: reintroduzir animais de grande porte, não extintos, que vagavam por boa parte do continente -cavalos selvagens, bisões, veados-vermelhos e íbex- e deixar que eles sejam controlados por lobos, ursos e linces.

Os defensores da renaturalização dizem que, sem essa injeção de fauna silvestre, especialmente de herbívoros de grande porte, as terras agrícolas abandonadas ficarão cobertas de vegetação densa que acabará exterminando a biodiversidade que ainda resta.

A fundação Rewilding Europe, criada há cinco anos, quer ver quase 1 milhão de hectares de terra renaturalizados até 2020. Cerca de 30 grupos integram a Rewilding Europe Network, da fundação, e entre seus projetos estão a reintrodução de bisões numa área dos montes Cárpatos romenos e de íbex na costa do mar Adriático na Croácia. A esperança é que as áreas silvestres atraiam turistas.

Os projetos variam muito. Alguns, como a reserva Campanários, adotam uma abordagem multiespécie, enquanto outros enfocam apenas a restauração dos herbívoros de grande porte.

O príncipe Richard de Sayn-Wittgenstein-Berleburg, 79, é membro da rede e introduziu um pequeno rebanho de bisões europeus numa área de 13 mil hectares de sua família em Bad Berleburg, na Alemanha, região densamente florestada próxima a Colônia.

A propriedade, que pertence à família do príncipe há 800 anos, ainda é usada para a extração de madeira, e o público tem acesso a sua grande rede de trilhas. O filho do príncipe, Gustav, disse que a família quer mostrar que os bisões podem sobreviver por conta própria na floresta, mesmo com a presença de pessoas e máquinas.

Críticos dizem que o movimento é levado mais pelo sentimento do que pela ciência. Para eles, a reintrodução de animais em ecossistemas que mudaram e se adaptaram pode ter consequências imprevisíveis. Além disso, consideram que esses esforços deveriam ser mais rigorosamente monitorados. Os renaturalizadores afirmam que sua meta não é fazer ciência.

"Nossa tarefa é fazer da Europa um lugar mais selvagem", disse Staffan Widstrand, da Rewilding Europe.

Alguns dos projetos, como o do príncipe Richard, geraram ressentimento entre moradores de áreas vizinhas. Foram apresentadas queixas sobre bisões que teriam comido cascas de árvores e provocado outros danos.

Aqui em La Alamedilla, muitos dos moradores saudaram a reserva e esperam que ela atraia turistas para uma região que se esvaziou. Em 1965 o vilarejo tinha 800 moradores. Havia quatro padarias e cinco bares.

Hoje há apenas 165 moradores, em sua maioria idosos. Sobraram dois bares.

A reserva Campanários tem quatro quartos para turistas e está construindo mais. Mas os moradores da vila admitem que as mudanças, se acontecerem, não virão no futuro próximo. "Quando recebemos a notícia do projeto, achamos que viriam centenas de turistas", comentou Maria Angeles Hernandez, 47, dona de um dos dois bares. "Na realidade, é um lugar para acadêmicos. Talvez nos traga algo de volta, a longo prazo. Neste momento, não ajuda muito."


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