Folha de S. Paulo


Cambojanos tentam salvar lago de Tonle Sap de problemas ambientais

Quando o sol nasce no Tonle Sap, os pescadores saem de aldeias flutuantes como Akol para verificar suas redes. A cada ano, o lago produz 300 mil toneladas de peixes, o que o torna um dos ecossistemas de água doce mais produtivos do mundo.

Esse fato e as inundações na temporada de monções, que expandem cinco vezes a área do lago em comparação à temporada seca, valeram ao Tonle Sap o apelido de "o coração do Camboja".

Mas o Tonle Sap enfrenta problemas devido à pesca excessiva, ao corte dos manguezais que servem de abrigo aos peixes jovens, à construção de usinas hidrelétricas rio acima e às estações de seca que a cada ano se alongam e se tornam mais quentes.

Keo Mao, 42, pescador de Akol, diz que espera que seus cinco filhos escapem da vida que sustenta sua família há gerações. "O lago já não é tão bom assim", disse.

Agora uma equipe internacional de pesquisadores está ajudando os pescadores locais em um projeto para salvar o Tonle Sap. Os cientistas estão desenvolvendo um modelo de computador para prever como as diferentes escolhas econômicas, regulatórias e de desenvolvimento podem influenciar o ecossistema. Com isso, buscam planejar um caminho sustentável rumo ao futuro.

Os pescadores são indispensáveis ao projeto. São eles quem capturam peixes e registram suas espécies, comprimentos e pesos. Eles também removem as caudas de alguns espécimes para testes de DNA.

A população cambojana cresce 2% ao ano. Muitos dos camponeses que tiveram terras desapropriadas em benefício de grandes empresas de agronegócio migraram para o Tonle Sap. Outros chegaram à região depois de vender terras para pagar dívidas. De 1998 a 2008, o número de pescadores em Tonle Sap cresceu 38%, para 38,2 mil. O número de agricultores que cultivam terras em torno do lago aumentou 33%, para 520,8 mil.

O modelo de computador sobre o Tonle Sap, concebido para procurar pelo inesperado, avaliará se a possibilidade de pesca mais intensa pode, na realidade, resultar em maior número de peixes no lago. Kevin McCann, ecologista da Universidade de Guelph, em Ontário, Canadá, diz que, se os pescadores ficarem com todos os peixes capturados em suas redes, as espécies que sofreriam mais seriam os peixes maiores, que se reproduzem e crescem lentamente. Com menos peixes grandes para comer os peixes pequenos (que se multiplicam mais rápido), o resultado será um número maior de peixes, mas uma perda de biodiversidade.

Ao longo da década passada, dados sugerem que o lago vinha perdendo seus maiores peixes - como bagres de mais de 200 quilos e arraias com envergadura de dois metros- enquanto subia ligeiramente o número de capturas de trey riel, peixe de menor porte.

Os modelos climáticos preveem estações de seca mais longas e quentes no Sudeste Asiático e monções mais intensas. As duas coisas podem perturbar os padrões de migração e desova dos peixes do Tonle Sap, disse Sovan Lek, da Universidade Paul Sabatier, em Toulouse, França.

"Na Europa, a água pode ir de muito fria a muito quente entre o inverno e o verão", disse. "Aqui, ela é estável ao longo do ano, de modo que a adaptação a uma mudança será mais difícil".

Mais de 70% dos domicílios cambojanos têm renda anual inferior a US$ 1 mil, e muitos dos pescadores estão endividados, com dívida média de US$ 780.

As represas em rios da região são muitas vezes descritas como um compromisso entre a produção de eletricidade e a de alimentos. Menos de metade dos cambojanos têm acesso confiável à energia. Blecautes são comuns, e o preço da eletricidade prejudica a economia.

Mas as represas em geral só geram energia por algumas décadas, e o Tonle Sap alimenta o Camboja há séculos. Cerca de 60% dos peixes pescados em água doce no Camboja vêm do Tonle Sap.

O 1,5 milhão de pessoas que dependem diretamente do Tonle Sap, em geral famílias de pescadores e agricultores, são um dos maiores fatores na previsão do futuro do lago. A reação deles às mudanças será crítica. Se o total pescado cair em um terço, por exemplo, os pescadores podem ter de passar mais tempo em seus barcos, se arriscar em águas nas quais a pesca é proibida ou trocar a pesca pelo cultivo do arroz, o que alteraria o ecossistema.

Evan Fraser, geógrafo, explora esses cenários em diálogo com os moradores de Tonle Sap. Suas pesquisas sugerem que as estratégias de adaptação corretas poderiam representar a diferença entre uma transição tolerável e um desastre. "O desafio é administrar a transição", disse. "Não há como detê-la".


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