Folha de S. Paulo


Cientistas investigam doença de focas no Ártico

Esqueça os ursos polares por enquanto. Há outros espectros rondando o Ártico, e as focas - vítimas de doenças misteriosas que estão aparecendo por lá - merecem um pouco da atenção dedicada a seus predadores e ao derretimento do gelo em torno do polo Norte.

O encolhimento da calota de gelo no verão ártico bateu recordes em 2007 e 2012, Em média, ela perdeu 50% da área e 75% do volume que permanece congelado na estação menos fria.

O ar na região está 2oC mais quente que em meados da década de 1960. Os cientistas acreditam que esse aquecimento não tem volta e apelidaram a situação de "nova norma"para o Ártico.

No centro da preocupação está a foca-anelada (Pusa hispida, ou Phoca hispida). É um dos mamíferos mais abundantes acima do Círculo Polar Ártico, com uma população estimada em mais de 1 milhão de animais.

Charles Caraguel
Foca-anelada, que vive na ilha Hay, no Canadá
Foca-anelada, que vive na ilha Hay, no Canadá

A partir de 2011, várias delas começaram a ser encontradas com uma doença grave, prostradas e incapazes de fugir de seres humanos. Quando saudáveis, porém, elas são muito difíceis de caçar. Já foram registrados mais de 400 casos fatais.

O sintoma característico da moléstia são feridas em torno dos olhos, com queda de pelos. A perda também ocorre em outras partes do corpo, como a cauda, as nadadeiras traseiras e a região anal. Em alguns casos graves, pelo corpo todo.

O enigma foi apresentado no encontro anual da AAAS (Associação Americana para o Avanço da Ciência), em Chicago, por Raphaela Stimmelmayr. A veterinária de origem alemã é a encarregada pelo Departamento de Vida Selvagem do Alasca de investigar o "evento incomum de mortalidade".

Ninguém sabe o que está causando a enfermidade das focas-aneladas. Mas já se descobriu que sintomas da mesma doença estão aparecendo em focas de outras espécies: foca-barbuda (Erignatus basbatus), foca-pintada (Phoca largha) e a foca-listada (Histriophoca fasciata).

Também há casos de morsas (Odobenus rosmarus divergens) doentes. Neste caso, contudo, são mais afetados os filhotes e jovens, quando entre as focas a doença ataca em todas as faixas etárias. Mais um mistério.

Seria essa nova doença um sintoma dos impactos da "nova norma" sobre os mamíferos do Ártico? Stimmelmayr: "Não sabemos".

BARREIRA DE GELO

Outra espécie que passa por um mau momento é a foca-cinzenta. Cerca de 400 animais morreram em março de 2012 nas imediações das ilhas Hay, pertencentes ao Canadá, infectadas por um parasita que destruíra seu fígado, causando uma hepatite fulminante.

O grupo do parasitologista molecular Michael Grigg, dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos EUA, verificou que se tratava de um protozoário muito similar a um que infesta cães, do gênero Sarcocystis. A nova cepa, endêmica do Ártico, foi batizada como Sarcocystis pinnipedi (o segundo nome é uma referência às focas, que pertencem à superfamília dos pinípedes).

Grigg descobriu coisas mais intrigantes ainda. O S. pinnipedi também infesta as focas-aneladas, mas elas parecem ter imunidade a ele, ao contrário das cinzentas, que vivem mais ao sul.

A equipe agora investiga se as aneladas não seria a fonte de infecção das cinzentas. A hipótese é que as duas populações, antes isoladas por uma grande quantidade do gelo, passaram a nadar e caçar nas mesmas águas. Como não tinham contato com o parasita, as focas-cinzentas nunca precisaram desenvolver defesas contra ele.


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