Folha de S. Paulo


Ciência evolui para explicar pausa no aquecimento, diz membro do IPCC

O climatologista Gian-Kasper Plattner teve nos últimos meses uma das missões mais difíceis entre os cientistas que compõem o painel do clima da ONU, que divulgou anteontem um relatório no qual acentua a gravidade do aquecimento global.

O suíço de 42 anos coordenou a redação do "Sumário para Formuladores de Política", a parte do documento destinada ao público não especializado.

Tendo iniciado a carreira na área pesquisando avalanches, ele foi responsável agora por lidar com a avalanche de comentários de governos sobre o documento, que recebeu mais de 1.800 sugestões.

Em entrevista à Folha, o climatologista defendeu a lentidão do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudança Climática) em analisar as evidências científicas, mesmo que isso tenha comprometido a capacidade de lidar com a questão mais polêmica do momento: o "hiato" na aceleração do aquecimento global nos últimos 15 anos.

Divulgação
Pesquiador Gian-Kasper Plattner, que coordenou a redação do
Pesquiador Gian-Kasper Plattner, que coordenou a redação do "Sumário para Formuladores de Política", a parte do documento destinada ao público não especializado

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Folha - Céticos do clima dizem que os modelos usados nas projeções de mudança climática estão errados porque não conseguem reproduzir essa pausa recente no aquecimento.
Gian-Kasper Plattner - Dizer isso é uma comparação injusta. Clima se faz a partir de médias distribuídas por um período de longo prazo. Um modelo matemático que roda dados desde 1850 e é capaz de simular a mudança climática não está errado por causa dessa pausa. O fato é que essas simulações têm se saído bem representando a tendência de aquecimento de longo prazo observada ao longo do século 20.

Esse período de 15 anos é especial porque está acontecendo agora e a ciência está evoluindo para entender a causa dessa pausa no aquecimento. É uma questão científica empolgante.

Por que o IPCC não incluiu no relatório estudos que atribuem o hiato na subida de temperaturas a uma tendência temporária de aquecimento em águas oceânicas profundas?

Em 2009, quando o relatório estava sendo organizado, foi estabelecida uma data até quando publicações científicas precisariam estar no prelo ou publicadas para estarem disponíveis para avaliação. A data de corte era 15 de março de 2013. Um dos estudos relevantes para essa questão só saiu em 17 de março, e o painel não pôde considerar essa publicação.

E isso é correto. Imagine que você receba uma publicação, não tenha tempo para avaliar quão robusto é o resultado, faça uma declaração forte baseada nela e, depois, descubra algo como um erro de cálculo. A comunidade científica precisa de tempo para olhar essas publicações.

Esse tipo de procedimento não está ficando lento demais? A revista "Nature" sugeriu na semana passada que o IPCC passe a se dedicar a relatórios menores e mais específicos.

A quantidade de trabalho e o tempo necessário para fazer uma avaliação estão crescendo cada vez mais. Será que essa é a maneira mais eficaz de informar governos sobre assuntos ligados à mudança climática? O IPCC vai organizar uma sessão para pedir a opinião de cientistas sobre isso. Muitos dos especialistas envolvidos no relatório tiveram dificuldades com seus empregos enquanto tinham que viajar para encontros de autores onde se reuniam por horas a fio, além de terem de lidar com toda a literatura científica disponível.

Foram 9.250 estudos científicos avaliados nos 14 capítulos do relatório, que precisam ser lidos, avaliados e revisados. Do ponto de vista da ciência, é preciso saber se vale o esforço. Eu acho que vale a pena ter essa oportunidade para pesquisadores de diferentes áreas da ciência de clima estarem juntos na mesma sala. Não sei se existe algo semelhante a isso em alguma outra disciplina.

Vocês acreditam ter um documento mais influente do que o quarto relatório, publicado em 2007, que não teve o impacto desejado?

O quarto relatório foi muito relevante por ter declarado que o aquecimento no sistema climático é inequívoco. Nós repetimos essa declaração. O documento que entregamos é muito mais específico com relação à incerteza das descobertas e tem mais componentes. Tivemos pela primeira vez um capítulo sobre o papel das nuvens.

A inclusão de mais dados sobre incerteza e margens de erro não corre o risco de fazer o relatório parecer menos contundente?

É um risco. Sempre que alguém pede resultados a um cientista, ele pode escrever uma resposta direta como "a temperatura média do planeta aumentou x", mas não pode garantir que vai ser x quando pode ser 50% maior ou 50% menor. Isso torna a mensagem mais complicada, mas é melhor explicar que há incertezas. Isso não significa que não saibamos nada.

Outro tópico explorado pelos críticos do IPCC foi a chamada sensibilidade do clima, que diz quanto o planeta deve esquentar se a concentração de carbono dobrar. O novo relatório reduziu a estimativa mínima de aquecimento. Isso é motivo para comemorar?

Seria um benefício para todos se a sensibilidade do clima caísse, pois é preocupante que emitir carbono cause muitas mudanças climáticas.

Mas, se recuarmos até o terceiro relatório de avaliação do IPCC, [divulgado em 2001], o escopo era de 1,5° C a 4,5°C. No quarto relatório, o número mínimo subiu para 2° C. Agora, houve uma enxurrada de novas pesquisas, mas esses estudos não convergem. Alguns parecem apontar para uma sensibilidade por volta de 2°C e outros por volta de 3°C.

Nem sempre um número maior de anos observados consegue reduzir a incerteza. É prematuro concluir que só porque o IPCC reduziu a margem de baixo para 1,5° C de novo que tudo vai ficar bem, pois a margem de cima ainda é alta.


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