Folha de S. Paulo


Mecânicos cubanos fazem milagres, mas não querem fama

Cuba é mundialmente conhecida pelos carros norte-americanos antigos que ainda rodam no país. Há basicamente dois tipos deles: os que estão bem ferrados e os tão conservados que poderiam estar em um filme de Hollywood.

Os primeiros viraram táxis coletivos que só andam por ruas e avenidas principais, cobrando o preço fixo de R$ 1,40 por pessoa. Geralmente, transportam entre cinco e seis passageiros, parando em qualquer lugar. Eles são majoritariamente utilizados por locais: às vezes, estão sem os vidros traseiros ou com alguma porta balançando tanto que te faz ter medo em cada curva.

Os carros bonitões e brilhantes são táxis disputadíssimos por turistas que pagam preços variáveis, normalmente de R$ 70 para cima.

Mas o lance é que, bem ou mal, alguns desses carros têm mais de seis décadas, embora todos ainda funcionem. Imaginei, então, que os mecânicos cubanos fossem verdadeiros artistas da engenharia automotiva e resolvi dar uma olhada de perto nas oficinas. Para fugir da conversa fiada para turistas, fui a Luyanó, um bairro do interior tão distante das hordas de branquelos com câmeras no pescoço que nem aparecia no mapa do meu guia.

Acontece que o povo da capital é fechado, mas ainda se socializa com os turistas. Porém, nas regiões mais afastadas, os moradores são ainda mais fechados e também têm receio de jornalistas e fotógrafos. Isso logo ficou evidente na primeira oficina. Havia três caras trabalhando. O primeiro ouviu a explicação e mandou falar com o próximo, que fez o mesmo e passou para o último, que finalmente disse que deveria esperar pelo dono, que tinha saído. Sem muita opção, fui caminhar pelo bairro e encontrei algo incrivelmente inusitado: uma oficina especializada em motos Harley Davidson em uma garagem com tantas referências à cultura ianque bem no meio de um lugar puramente cubano. O dono foi prático: não queria falar, aparecer e nem ser incomodado no outro quarto onde estava trabalhando. Pelo menos, deu para fazer algumas fotos.

De volta à primeira oficina, o responsável já estava presente e resistiu um pouco para ser convencido das fotos. Assim que consentiu, começou a tirar peças que não deveriam aparecer e então passou a me seguir em cada passo dentro da minúscula sala onde poucos metros podiam ser percorridos. Tentei quebrar o gelo.

Desculpa, qual é o seu nome mesmo?

Orlando.

Orlando do quê?

Só Orlando.

Percebi que não seria convidado para ficar e tomar um rum; logo, parti para a próxima. Caminhando pelo bairro, encontrei mais dois lugares com prateleiras, óleo, muitas ferramentas e pessoas consertando carros. Ao falar das fotos, a resposta foi a mesma: eram apenas garagens particulares, e eles não queriam imagens. Para tentar melhor sorte, fui ao bairro vizinho, Santos Suárez, ainda bem afastado das áreas turísticas.

Encontrei outra oficina, e novamente a negociação foi difícil. Parecia que estava pedindo para fazer fotos da filha do dono, e não de um monte de ferramentas e um carro quebrado. Fui liberado, mas com ressalvas: a parte mais tosca da garagem não poderia ser mostrada - o que também nem era grande coisa. Nesse lugar,trabalhava-se apenas com carros novos; no entanto, a estrutura era a mesma da anterior: só ferramentas, nenhum grande equipamento e muitas coisas remendadas com cara de improviso. Novamente, tentei quebrar o gelo, mas a hospitalidade e a empolgação de Laurindo, o dono, foram comoventes: "Agora, você vai ser famoso no Brasil"...

O sujeito só me olhou e ficou em silêncio, o que pode ser traduzido para o português como "Não me importa".


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