Folha de S. Paulo


Para que serve um concierge de hotel hoje, se tudo está na internet?

Thomas Patterson/The New York Times
Joseph Sundberg, concierge do hotel Monaco, em Portland (EUA)
Joseph Sundberg, concierge do hotel Monaco, em Portland (EUA)

O norte-americano Michael Polovich não costuma fugir da necessidade de fazer pesquisas. Secretário-assistente de Justiça do Tennessee, ele aplica a passeios o mesmo grau de cuidado e atenção que emprega em sua vida profissional. No ano passado, antes de viajar a Charleston, na Carolina do Sul, ele reuniu um verdadeiro dossiê de dados sobre a cidade.

Mas Kevin McQuade, o concierge do hotel Courtyard by Marriott em que Polovich e sua namorada se hospedaram no distrito histórico de Charleston, em pouco tempo o convenceu de que, na verdade, ele não sabia nada sobre o destino.

"Eu tinha várias perguntas que pensei em fazer a Kevin", afirmou Polovich. "Quando começamos a conversar, ficou claro que ele sabia muito mais do que seria possível descobrir on-line. Passamos o resto da viagem seguindo as recomendações dele, em vez das dezenas de coisas que tínhamos planejado."

McQuade o pôs em contato com um professor local que leva visitantes para caminhadas guiadas nos fins de semana, por exemplo. "Ele era uma pessoa profundamente fascinada pela história da cidade e um magnífico contador de histórias –narrativas fortes que deram vida a Charleston e fugiam do trivial", disse o turista.

No jantar, o concierge sugeriu para o casal ir a um pequeno restaurante que ficava a 1,5 km de distância, o Chez Nous, um lugarzinho minúsculo que tem um menu diferente a cada dia, escrito à mão, e não aceita reservas.

"Aquele era um verdadeiro segredo, tanto que muitos moradores locais nem o conheciam", disse Polovich. "Não tivemos dificuldade em conseguir uma mesa num sábado à noite. E foi um dos melhores restaurantes que já conheci na vida."

Kevin McQuade é membro da associação de concierges Les Clefs d'Or, cujos membros só ingressam nela depois de passar por uma série de exames. Mas mesmo ele reconhece que a disponibilidade de informações on-line sobre viagens e destinos pelo mundo coloca em questão a utilidade de sua profissão.

"Diante de um problema como esse, você tem duas opções: pode se conformar e dizer que os smartphones estão tomando conta do mundo ou pode se aprimorar cada vez mais", disse.

Ele acha que muitos de seus colegas de profissão só consideram enviar os hóspedes a lugares onde eles podem ir a pé ou que são previamente definidos como acolhedores para turistas.

"A pessoa procura o concierge para encontrar coisas que não descobririam por conta própria", disse. "Se o turista vai a Nova York, ele já sabe sobre o MET (Metropolitan Museum of Art) e os horários da estátua da Liberdade. Mas, se eu lhe contar sobre um bom clube de jazz ou um passeio guiado no Greenwich Village, isso é uma contribuição que ele só pode receber de mim."

Para McQuade, as pessoas querem encontrar essas atrações secretas. "O concierge precisa olhar o itinerário dos hóspedes e falar sobre o que está faltando nos planos deles –o que a internet não consegue fazer."

EXTINÇÃO

Isso se os hóspedes conseguirem encontrar concierges onde estão hospedados. Segundo a Associação Americana de Hotéis e Hospedagem, a parcela de hotéis de luxo que empregam concierges caiu: foi de quase 100% em 2014 para 82% em 2016 –com muitos profissionais assumindo tarefas que os obrigam a abandonar seus postos antes estacionários.

Joseph Sundberg, do hotel Monaco de Portland, no Oregon, por exemplo, hoje tem o título de concierge ambulante, que o obriga a carregar bagagens e outras atribuições. "Meu trabalho é mais parecido com o de comandante dos carregadores", ele disse. "Sou uma espécie de 'bobo da corte' que fica no saguão do hotel", afirmou.

Sundberg trabalha no setor hoteleiro de Portland há 31 anos e é expert em cervejas especiais produzidas por estabelecimentos pequenos. "As pessoas pensam que têm todas as informações na mão. Mas é muito melhor descobrir as coisas com um cara local. Você até pode ir a um restaurante ótimo. Mas experimente conhecer um bar e dizer que Joseph o indicou."

No entanto, uma coisa é certa: a internet não vai desaparecer. E, para Robert Marks, isso é ótimo. Presidente da Les Clefs d'Or Estados Unidos, Marks é concierge há 29 anos e acha que esse tipo de profissional ainda tem um papel crucial a exercer, algo que não exclui a internet, iPhones e Samsungs.

"Com a tecnologia, ficou mais fácil para o concierge transmitir informações", disse. "Existe informação em excesso para o hóspede. As pessoas ficam tão inundadas de dados que não conseguem decidir o que é relevante. Costumo pensar na internet como um funil e no concierge como um filtro. Nós purificamos aquelas informações e escolhemos as mais relevantes, para que você mesmo não precise pesquisar."

Tradução de CLARA ALLAIN


Endereço da página: