Folha de S. Paulo


Casal encara mais de 3.000 km de mochilão com os filhos pequenos

Jayme McGowan - 18.out.2015/The New York Times
ILLUSTRATION MOVED IN ADVANCE AND NOT FOR USE - ONLINE OR IN PRINT - BEFORE OCT. 18, 2015. -- Parents take their two boys, 5 and 7, out of school six weeks early to backpack across Europe: one month and 2,000 miles, from London to Budapest. They only took the necessities: limited clothes, no toys and no iPads. (Jayme McGowan/The New York Times) -- NO SALES; FOR EDITORIAL USE ONLY WITH STORY SLUGGED EUROPE-BACKPACKING BY KEITH Oâ€ÃôBRIEN. ALL OTHER USE PROHIBITED. ORG XMIT: XNYT30 ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***

Sofremos uma crise de roupas de baixo antes de embarcarmos no avião para a Europa. Cal –nosso filho, supostamente treinado para usar o banheiro– sujou as calças.

"Desculpe, mamãe", disse o menino de 5 anos, embaraçado. "Não tem problema", minha mulher o reconfortou. Em momentos normais, acidentes como esse não passam de incômodos. Mas as circunstâncias daquele momento não eram normais.

Minha mulher, Eva, e eu estávamos levando nossos dois meninos, Cal e Cormac, 7, para uma viagem de mochila pela Europa: um mês e 3.200 quilômetros, de Londres a Budapeste. Só mochilas, nada de malas equipadas com rodas.

Foi assim que Eva e eu viajamos (antes dos filhos) por Turquia, China, Vietnã e Japão. Queríamos que os meninos curtissem esse modo de vida. Ou, pelo menos, que aprendessem a lidar com ele. Nossos pais disseram que seria um desperdício de dinheiro. Já amigos nos chamaram de "corajosos" (querendo, claro, dizer que éramos doidos).

Mas calculamos que tudo sairia bem. Acreditávamos que os meninos se adaptariam. Nós os preparamos durante semanas ("na Europa, nem toda refeição será acompanhada por ketchup"), ensinando-lhes geografia ("quem aponta a França no mapa?").

Voamos para Londres, depois de apenas quatro horas de sono, e sofrendo com o jet lag. A cidade deveria servir como teste. Naquela primeira semana, porém, tentamos fazer coisas demais, rápido demais: a torre de Londres, a catedral de St. Paul, o palácio de Buckingham, a London Eye (a roda-gigante de 135 metros de altura) e muito mais.

Quando chegou o sexto dia, todo mundo estava exausto, mas de novo em movimento, para Stonehenge, a 145 quilômetros de Londres. Havíamos reservado uma excursão, com a qual teríamos acesso às imensas pedras depois do horário regular de visitas.

Mas, quando nos vimos sob as lendárias rochas, os meninos só estavam interessados em duas coisas: recolher as pedras espalhadas pelo chão (o que contraria as regras) e brincar de esconde-esconde (outra coisa que as regras proíbem). "Papai, corra!", eles gritavam.

Os seguranças sorriam e fingiam que não estavam vendo. Compreendiam nossa situação. Mas não teriam apreciado a descoberta que fiz depois: Cormac havia levado uma pilha de pedregulhos sagrados de Stonehenge.

Escapamos para a França um dia depois. Por necessidade, aprendemos a desacelerar, em alguns dias saindo de nosso apartamento só lá pelas 11h. Simplesmente não é possível viajar com filhos da mesma maneira que viajávamos no passado.

Ainda assim, subimos de escada os dois primeiros níveis da Torre Eiffel (704 degraus ao todo), em vez de usarmos o elevador. Depois, ainda passaríamos por Vermont, Viena, Bratislava e enfim embarcamos em um trem lento e lotado para a Hungria.

Mas foi perto da cidade austríaca de Reutte que Cormac e Cal aprenderam uma lição. Estávamos em um carro alugado, perdidos na chuva e neblina. De repente, Eva avistou uma passarela para pedestres, ligando dois topos de montanha. Ela me pediu para parar o carro e disse aos meninos que "viajar é para isso".

Fomos ao centro de recepção a turistas, na estrada, e descobrimos que a passarela Highline 179 tem 1,5 metro de largura e 400 metros de comprimento, suspensa a quase 40 andares acima da rodovia.

Minha mulher tem medo de altura, e eu tampouco gosto dela. Mas nos vimos tentando atravessar a passarela, porque é isso que se faz em Reutte. Lá em cima, travei, não conseguia olhar para baixo. Eva e Cormac também hesitaram. Mas Cal fez questão de atravessar.

Ele já estava há 18 dias sem qualquer acidente com as cuecas, tinha comido salmão, sopa, camarão e aprendido a dizer "merci". "Vamos lá, pai", disse. "Vai ser divertido". Meu filho tinha razão. Atravessamos a ponte, Eva e Cormac nos seguiram depois. Estávamos naquela juntos.

À noite, caímos na risada, recordando a coragem que tivemos. Eram 22h, muito além do toque de recolher dos meninos. Mas só uma questão importava, e foi Cormac que perguntou: "Para onde vamos?"

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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