Folha de S. Paulo


Gigantes da tecnologia travam luta pelos painéis dos automóveis

Quando o Google organizou um acampamento para os desenvolvedores de seu sistema operacional Android, havia alguns rostos novos entre os participantes: representantes das montadoras de automóveis.

Eles fizeram a viagem a Mountain View, Califórnia, a sede do Google, para descobrir mais sobre o Android Auto, um novo sistema de painel cujo objetivo é permitir que um smartphone acione a tela central do veículo.

Tarefas variadas, por exemplo, navegação, comunicação e apps de música poderão ser realizadas em contato constante com a nuvem, e com o motorista.

Cena semelhante está se desenrolando a poucos quilômetros de distância, na Apple, onde um sistema rival, o CarPlay, foi desenvolvido para os usuários do iPhone.

Depois de anos sendo tratados como uma atividade colateral interessante, os carros se tornaram a mais nova obsessão do Vale do Silício, e a Apple designou cerca de 200 engenheiros para trabalhar em tecnologia para veículos elétricos, enquanto o Google anunciou que antecipa que haverá carros sem motoristas em uso público daqui a cinco anos.

Sandro Campardo/Efe
Sistema CarPlay, da Apple, que exibe apps de iPhone em uma tela do painel do carro
Sistema CarPlay, da Apple, que exibe apps de iPhone em uma tela do painel do carro

Mas em nenhum outro lugar essa obsessão vem se expressando de maneira mais imediata do que na batalha por desenvolver a próxima geração de sistemas de painel para carros. Nas próximas semanas e meses, as concessionárias dos Estados Unidos começarão a vender veículos capazes de operar com o Android Auto, o Apple CarPlay ou ambos.

Os sistemas vão bem além do acoplamento via Bluetooth disponível atualmente para música ou telefonemas em viva-voz, e permitirão que um sistema operacional, do Google ou Apple, essencialmente tome o controle da tela central do painel e de certos botões do carro.

"Os consumidores se pronunciaram", disse John Maddox, diretor assistente do Centro de Transformação da Mobilidade da Universidade do Michigan. "Eles querem mais coordenação entre seus telefones e seus veículos."

Na sede do Google, o Android Auto está a ponto de estrear nos automóveis dos norte-americanos, depois de dois anos de desenvolvimento. Basta conectar um smartphone pela entrada USB e o sistema se ativa na tela do carro. A tela do celular escurece e não pode ser usada enquanto o motorista estiver dirigindo.

O Apple CarPlay funciona de modo semelhante, com ícones de bolha para telefonemas, música, mapas, mensagens e outro apps surgindo na tela do painel do carro.

SEGURANÇA

Embora a ideia de motoristas constantemente conectados acelerando pelas estradas provoque preocupação quanto a possíveis distrações ao volante, as duas empresas dizem que seus sistemas foram projetados tendo o oposto disso como meta: elas querem tornar o uso de celulares por motoristas mais seguro.

"Observamos o que as pessoas fazem com seus celulares no carro, e foi assustador", disse Andrew Brenner, que dirige a equipe Android Auto no Google. "Dá vontade de dizer, 'caramba, não faça isso.'"

Brenner disse que sua equipe tentou descobrir como minimizar as distrações em tarefas que as pessoas executam frequentemente ao dirigir, e também determinar o que não deve ser permitido no carro de jeito nenhum. O Google até criou um laboratório de distração de motoristas para testar diferentes variações.

O Android Auto não tem botão de retorno, como um smartphone comum tem. Tampouco existe botão para apps recentes. O Google Maps foi ajustado de modo a usar fontes maiores e a detalhar menos as ruas, para facilitar a leitura ao volante.

Nenhuma ação deve demorar mais de dois segundos –o que respeita as normas de adesão voluntária publicadas pelo Departamento do Transporte dos Estados Unidos.

"As coisas que não mostramos são tão importantes quanto as que mostramos", disse Brenner.

Música certamente é parte do pacote. Vídeos em streaming? Definitivamente não. A maior parte das redes sociais também será bloqueada, e mensagens de texto só poderão ser enviadas por meio de comandos de voz. Os apps presentes na tela foram otimizados em termos de velocidade –basta um olhar e um toque, e os olhos podem voltar para a estrada.

"São esses olhares curtos para a tela que as pessoas usam em seus carros", ele disse. "Queremos algo que seja visível com um olhar, que possa ser visto e feito rapidamente."

TESTES

Quando o projeto Auto Android começou, ele incluía um núcleo de montadoras como a General Motors, Audi, Honda e Hyundai. Agora, perto de seu lançamento, há mais de duas dúzias de montadoras assinadas para começar a oferecê-lo em breve. A Apple formou parcerias com número semelhante de marcas, muitas das quais oferecerão ambos os sistemas.

A maioria das montadoras mantêm o silêncio sobre as datas exatas de lançamento, mas a Hyundai deve agir rápido, e a Volkswagen já indicou que o sistema estará disponível em seu próximo Golf. A GM fez afirmação semelhante sobre seu subcompacto Spark.

Uma das montadoras que adotará o sistema de maneira mais ampla será a Ford, que neste ano começará a oferecer o Android Auto e o CarPlay, como parte da reforma de seu muito criticado sistema Sync. Pelo final de 2016, os dois sistemas estarão disponíveis em todos os modelos Ford vendidos nos Estados Unidos.

"Não queremos que as pessoas tenham de fazer uma escolha de veículo baseada em que celular elas têm", disse Don Butler, diretor executivo de veículos e serviços conectados da Ford. "Queremos acomodar todos os clientes e todos os seus aparelhos."

OUÇA-ME

Uma área em que as montadoras enfrentaram fortes dificuldades mas na qual as gigantes da tecnologia encontraram mais sucesso é o reconhecimento por voz. O uso de comando de voz tem grande potencial, se o objetivo é manter os olhos dos motoristas concentrados na estrada. O desafio, quanto a isso, é que os sistemas precisam funcionar.

"Muitos dos sistemas que existem nos automóveis agora têm interfaces quase inúteis", disse Maddox, o especialista em transportes da Universidade do Michigan. "São imprecisos, e as pessoas ficam frustradas e terminam por deixar de usá-los."

O Estudo de Qualidade Inicial 2014 da J. Power constatou que os consumidores apontam o mau reconhecimento de voz como sua experiência mais insatisfatória na compra de um carro novo.

No Apple CarPlay, o sistema Siri de assistência por voz guia o processo, e a empresa forneceu especificações às montadoras para garantir que a voz de um usuário seja facilmente compreensível dentro de um carro. Se o usuário dispuser de uma tela sensível ao toque ou botões de controle, eles também poderão ser usados para comandar o CarPlay.

O Google tomou providências semelhantes para garantir que os usuários possam falar como normalmente fazem.

Mas, a despeito do ímpeto crescente no Vale do Silício, nem todas as montadoras de automóveis acataram a ideia de entregar seus painéis de instrumentos aos gigantes da tecnologia.

John Hanson, diretor nacional de tecnologia avançada de comunicação da Toyota nos Estados Unidos, disse que, embora a empresa tenha conversado frequentemente com Google e Apple, não planeja adotar o Android Auto ou CarPlay nos Estados Unidos.

"Talvez um dia cheguemos a isso, mas por enquanto preferimos usar plataformas próprias para essas funções", afirmou Hanson.

A Fiat-Chrysler, cujo sistema de informação e entretenimento de bordo é visto como um dos melhores do mercado, assinou para permitir o uso dos sistemas Android e Apple. Mas não sem se lamentar um pouco.

"Estamos confiantes em que nossos sistemas oferecem boa experiência aos nossos compradores", disse Eric Mayne, porta-voz da Chrysler. "E não vamos parar de melhorá-los".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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