Folha de S. Paulo


Sucesso da paquera on-line depende mais de matemática do que de carisma

Eva Hambach - 10.fev.14/AFP
Homem usa site de relacionamentos em seu computador em Washington
Homem usa site de relacionamentos em seu computador em Washington

Na metade de 2012, Chris McKinlay estava concluindo sua tese de mestrado em matemática na Universidade da Califórnia em Los Angeles. Isso requeria muitas noites de trabalho, para realizar seus cálculos com ajuda de um poderoso supercomputador ao qual tinha acesso apenas de madrugada, quando o custo de uso é mais baixo.

Enquanto o computador conduzia os cálculos, ele matava o tempo em sites de paquera, mas sem muita sorte. Até que ele identificou uma conexão entre as atividades.

Um de seus sites favoritos, o OkCupid, unia os participantes usando as respostas a perguntas postadas por outros usuários do site.

"Certa noite comecei a perceber que a maneira pela qual as pessoas respondiam às perguntas do OkCupid gerava um conjunto de dados de alta dimensão muito semelhante àquele que eu estava estudando", disse McKinlay.

Ele resolveu criar um conjunto de perfis falsos e desenvolver programas para responder perguntas que também tivessem sido respondidas por usuários compatíveis. Esta era a única maneira de ter acesso às respostas dessas pessoas, e, com isso, calcular de que maneira o sistema emparelhava os usuários.

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Ele conseguiu reduzir cerca de 20 mil outros usuários a sete grupos. Depois, ajustou seu perfil real para se enquadrar melhor a eles. Aí começou a receber respostas.

A operação de McKinlay foi possível porque o OkCupid, e muitos outros sites do gênero, são muito mais que simples redes sociais, nas quais as pessoas postam perfis. Serviços como esse buscam emparelhar usuários ativamente, usando uma série de técnicas que eles vêm desenvolvendo há décadas.

Cada um desses sites hoje alardeia contar com tecnologias "inteligentes". Mas no caso de McKinlay, os algoritmos em uso não funcionavam bem o bastante, o que o levou a criar uma fórmula pessoal.

A ideia de que a tecnologia pode tornar mais fáceis tarefas difíceis, e até dolorosa –como a busca do amor–, é onipresente e sedutora, mas será que a capacidade desses serviços para realizar a tarefa está sendo superestimada?

Na metade de 1965, um aluno de graduação da Universidade Harvard, chamado Jeff Tarr, percebeu isso cedo. Ele estudava matemática, tinha alguma experiência com computadores e, ainda que não fosse programador, estava certo de que seria possível usá-los para facilitar seu interesse primário: conhecer mais garotas.

Ele e um amigo escreveram um questionário de personalidade que permitia que universitários definissem seus pares ideais, e o distribuíram pelas faculdades de Boston.

Entre as perguntas estavam, por exemplo, "atividade sexual extensa em preparação para o casamento é parte de ser adulto?", e "você acredita em um Deus que responda a orações?" As respostas logo começaram a chegar, em grande número. Com isso nasceu a Operation Match.

Para processar as respostas, Tarr teve de alugar um computador IBM 1401 de cinco toneladas, pagando US$ 100 por hora, e de pagar um colega para programá-lo.

Cada questionário foi transferido a um cartão perfurado, inserido na máquina e, no final do processo, o sistema fornecia uma lista de possíveis parceiros, completa com endereço, número de telefone e data de graduação, posteriormente encaminhada ao respondente.

Quando Gene Shalit, repórter da revista "Look", chegou para cobrir a cena emergente dos encontros por computador, em 1966, a Operation Match alegava ter 90 mil inscritos, e ter faturado US$ 270 mil até o momento. Shalit citou uma caloura da Universidade Brown que havia dispensado o namorado mas voltado a sair com ele quando a Operation Match o havia recomendado como parceiro. "Talvez o computador saiba alguma coisa que eu não sei", ela disse.

"Alguns românticos se queixam de que somos comerciais demais", disse Tarr aos jornalistas. "Mas não estamos tentando tirar o amor do amor; só queremos tornar o processo mais eficiente. Fornecemos tudo menos a fagulha [de atração mútua]".

Nos anos transcorridos desde que Tarr começou a enviar seus questionários, os encontros por computador evoluíram. A mudança mais importante é que eles passaram a funcionar on-line. Os encontros continuam a espelhar não só os costumes sociais, que eles tanto refletem quanto influenciam, como nossas atitudes para com a tecnologia em si.

A Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos reportou em 2013 que mais de um terço das pessoas que se casaram no país entre 2005 e 2012 conheceram seu parceiro na web, e que metade destas o fizeram em sites de encontros. Estudos preliminares também demonstraram que as pessoas que se conhecem on-line apresentam probabilidade ligeiramente menor de se divorciar e alegavam ter casamentos mais felizes do que as pessoas que se conheceram de outro modo.

VAI DAR CASAMENTO

E quando os encontros on-line avançam para além não só do estigma, mas para além da chamada "divisa digital", incorporando internautas mais velhos, é seguro dizer que eles certamente vieram para ficar.

Mas demorou um pouco para que isso acontecesse. O Match.com, fundado em 1993, foi o primeiro grande serviço do segmento, continua a ser o maior do mundo, e é o exemplo perfeito do modelo de "anúncio classificado". Ele não faz alegações ousadas sobre a qualidade das pessoas que você encontrará; promete apenas que haverá muitas delas.

A eHarmony, surgida em 2000, adotou modelo diferente, prometendo guiar os usuários em direção a relacionamentos de longo prazo –não só namoros, mas casamentos. Seu fundador é Neil Clark Warren, um psicólogo e professor de teologia da região rural do Iowa, que tinha 76 anos quando criou a empresa. Ele conduziu três anos de pesquisa com cinco mil casais casados para definir seu algoritmo.

E a eHarmony leva isso tão a sério que precisou criar uma empresa para unir homossexuais, a Compatible Partners, em 2009. Quando foi alvo de processos judiciais porque se recusou a fornecer serviços de emparelhamento para casais gays, muita gente presumiu ser resultado das crenças cristãs conservadoras de Warren. A empresa rebateu, alegando que era a matemática, e não a moralidade, que determinava sua atitude: eles simplesmente não dispunham de dados que pudessem lastrear uma promessa de relacionamento de longo prazo para casais homossexuais.

AQUI E AGORA

Em 1966, em Harvard, Jeff Tarr sonhou com uma versão futura do seu Operation Match que operasse em tempo real e espaço real. Ele imaginou instalar milhares de máquinas de escrever por todo o campus, cada qual ligada a um computador central.

Quem datilografasse suas preferências em uma dessas máquinas receberia "dentro de segundos" o nome de um parceiro compatível que estivesse livre naquela noite. Recentemente, a visão de Tarr começou a se tornar realidade, com uma nova geração de serviços de encontros acionados por smartphones.

Subitamente, não precisamos mais de algoritmos inteligentes, mas simplesmente saber quem está por perto. Mas mesmo esses novos serviços requerem uma montanha de dados: parecem-se menos com o Facebook e mais com o Google.

O Tinder, criado em Los Angeles em 2012, é o aplicativo de encontros de crescimento mais rápido nos smartphones. Mas o app está muito menos interessado nos aspectos científicos do emparelhamento de parceiros do que seus predecessores. Quando questionada o que aprendeu sobre os usuários, com base nos dados recolhidos, a companhia disse que o dado que mais interessa é "o número de encontros que uma pessoa precisa, em dado período, antes de se viciar no produto".

Na Universidade da Califórnia em Los Angeles, a estratégia de McKinlay parece ter dado resultado. Depois de recolher dados e otimizar seu perfil, ele começou a receber entre 10 e 12 mensagens não solicitadas ao dia –um número inédito nos serviços on-line, onde a preponderância de caras esquisitos tende a deixar as mulheres em alerta.

Ele foi a 87 encontros, a maioria dos quais só para um café, e eles foram "quase todos maravilhosos". As mulheres que ele conheceu tinham interesses compatíveis com os dele, eram "muito inteligentes, criativas e divertidas" e, em quase todos os casos, houve alguma atração. Mas no 88º encontro, ele sentiu algo de mais profundo. Um ano depois, pediu a senhorita 88 em casamento.

Os encontros on-line sempre estiveram em parte relacionados aos atrativos e à conveniência da tecnologia, mas o mais importante sempre foi encontrar "aquela" pessoa. O sucesso do sistema de recomendações, tão aplicável a produtos quanto a pessoas, diz muito sobre a capacidade dos computadores para prever os atrativos mais fundamentais que teriam conduzido McKinlay ao seu objetivo mais cedo –os algoritmos que desenvolveu o ajudaram a conseguir encontros, mas não a prever a probabilidade de que esses encontros resultassem em algo mais sério posteriormente.

No fim, o desenvolvimento dos encontros on-line nos diz mais sobre nosso relacionamento com a tecnologia de redes do que sobre nossos relacionamentos uns com os outros.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

Eduardo Knapp - 30.out.13/Folhapress
A médica Natália de Mattos, 27, posa com o seu celular usando o aplicativo de paquera Tinder
A médica Natália de Mattos, 27, posa com o seu celular usando o aplicativo de paquera Tinder

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