Folha de S. Paulo


Do VHS ao Google Glass, a pornografia é o motor da tecnologia

Em tempos de guerra, a tecnologia é movida por nossa fraqueza compartilhada pela violência. Em 1939, a Força Aérea Real, do Reino Unido, ainda enviava biplanos para a batalha. Em 1945, tínhamos jatos. O Spitfire e os bombardeiros furtivos são máquinas belas porque o homem passou mais tempo se dedicando à tecnologia do combate do que a qualquer outra.

Mas, em tempos de paz, o sexo é o motor primário da tecnologia. Mesmo quando a indústria pornográfica não inova, costuma adotar os lançamentos rapidamente. O primeiro filme do gênero, por exemplo, foi feito dois anos após os primeiros longas.

Dizem que foi a grande disponibilidade do pornô em VHS que ajudou as fitas desse formato a vencerem as Betamax. E há um motivo por que a câmera inovadora da Polaroid "Swinger", que eliminava aquelas idas constrangedoras ao químico, para fazer a revelação, tenha recebido esse nome.

Em nenhum "lugar" o relacionamento simbiótico da pornografia com a tecnologia é mais evidente do que on-line. Na década de 1990, quando a explosão da internet era apenas uma faísca, a revista Penthouse oferecia modens a seus assinantes. Em 2010, entre o milhão de sites mais acessados, 50 mil tinham conteúdo erótico.

Os chats de mensagens instantâneas, seja o Snapchat ou os programas de videoconferência, nasceram com a indústria pornográfica. O LiveJasmin.com é o site pornô mais visitado no mundo e um dos mais bem-sucedidos de qualquer tipo. Cerca de 2,5% de todos os internautas regulares --o número gira em torno de 1 bilhão-- visitam o LiveJasmin pelo menos uma vez por mês.

A Electronic Card Systems, uma start-up da metade da década de 90 que fornecia serviços de pagamento para esse conteúdo na internet, foi pioneira no tipo de transação segura usado atualmente na Amazon ou no PayPal.

Os dispositivos móveis não ficam de fora. Farley Cahen, vice-presidente da organização de comércio de vídeos adultos AVN (Adult Video News), disse à PC Magazine que, segundo a Juniper Research, o mercado pornô móvel valeu US$ 4,6 bilhões (R$ 10,4 bi) em 2012.

Um pouco antes do lançamento do primeiro iPad, apesar do esforço considerável que a Apple fez para manter o Flash fora do tablet, uma empresa declarou ter encontrado a solução para burlar a limitação do aparelho. Não podemos dizer o nome dela, mas, confie em nós, eles não vendiam vídeos de culinária.

Divulgação
Imagem promocional do aplicativo pornô
Imagem promocional do app pornô "Tits and Glass", da MiKandi, que foi removido pelo Google horas após o lançamento no Glass

Logo não é uma enorme surpresa que o anúncio do Google --de que a companhia não permitiria nenhum conteúdo pornográfico no Google Glass-- já tenha sido desafiado. A empresa MiKandi desenvolveu, para os óculos inteligentes, um aplicativo que permite aos usuários fazer o upload de fotos sensuais que podem ser votadas por outras pessoas.

O Google não gosta desse app e já está tomando medidas para que o software não alcance o mercado. Mas, como vimos, a indústria pornográfica é um ramo repleto de recursos. Mesmo que seja necessária uma ferramenta para destravar o dispositivo, ou uma velha gambiarra, os usuários do Google Glass inevitavelmente darão de cara com imagens de pessoas que se recusam a vestir seus pijamas.

Sexo e tecnologia estão entrelaçados como uma molécula de DNA. O "Dirty Glass" virá ao nosso encontro, gostemos disso ou não. A única pergunta é: devemos deixar essas coisas acontecerem abertamente, com algumas medidas de controle exercidas, ou deixá-las no lado obscuro da internet, sem regulamentação, se juntando com outros conteúdos mais sinistros?


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