Folha de S. Paulo


Em meio à crise, livro sustenta otimismo com Brasil

Em meio à crise, um novo livro sustenta uma visão positiva sobre o Brasil. Esse otimismo foi duramente questionado por intelectuais em debate na Folha.

"Brazil in Transition: Beliefs, Leadership, and Institutional Change" [Princeton University Press, 280 págs., US$ 39,50, e-book Kindle, R$ 90,59] (Brasil em transição: crenças, liderança e mudança institucional) coloca o país na rota do desenvolvimento.

Para os autores, o Brasil enfrenta uma crise grave sem ter entrado em colapso e, ao contrário, fortalece instituições que se mostram capazes de manter o país no rumo. Defendem que, não apenas o país está hoje melhor do que jamais esteve, como não há indícios de que, em 15 anos, não estará "muito bem".

Em evento na terça-feira (5), na sede do jornal, três dos quatro autores do livro foram criteriosamente questionados. Mas não cederam.

"O Brasil parece ser uma dessas exceções, um dos poucos países dos últimos cem anos e dos próximos cem anos que fará a transição para se tornar desenvolvido", afirmou o coautor Bernardo Mueller, economista da Universidade de Brasília.

O argumento de "Brazil in Transition" é que, após a ditadura militar (1964-1985), formou-se um acordo em favor da inclusão social como valor. Somou-se ao consenso –que os autores chamam de crença– uma intolerância ao descontrole inflacionário, que selecionou outro valor dominante: a responsabilidade fiscal.

A crença na inclusão social fiscalmente responsável seria, então, para os pesquisadores, o fator capaz de colocar o Brasil, após uma longa transição, no seleto clube das nações ricas. "A inclusão que houve no Brasil não tem paralelo", sustentou o professor Marcus André Melo, da Universidade Federal de Pernambuco, coautor da obra.

"O Brasil foi pioneiro na inclusão do trabalhador rural em todo o mundo desenvolvido. A expansão de benefícios e do gasto social foi de tal monta que, em um contexto de responsabilidade fiscal, levou ao aumento de 11 pontos percentuais da carga tributária em relação ao PIB em dez anos."

O professor de economia Samuel Pessôa, colunista da Folha, soprou da plateia que talvez apenas a Suécia nos anos 1950 tenha tido uma expansão dessa magnitude.

O cientista político Sergio Fausto, superintendente da Fundação FHC, afirmou que é muito vago o uso do conceito de inclusão. "A não ser uma sociedade como a sul-africana, que institucionalizou o regime de apartheid, em nenhuma sociedade, a exclusão social é um valor dominante."
oportunidade

Outro questionador, o economista Marcos Lisboa contestou a noção de que a inclusão social é a causa do crescimento econômico. Além disso, o presidente do Instituto Insper disse que a queda da desigualdade no Brasil não foi impulsionada por políticas de transferência de renda, mas pela evolução do mercado de trabalho.

"Os salários de cima cresceram pouco, e os de baixo cresceram muito. Essa é a principal causa da queda da desigualdade", disse. "O salário mínimo ajuda quando a economia está crescendo."
Em "Brazil in Transition", os autores formularam o conceito da inclusão dissipativa, segundo o qual medidas inclusivas têm efeitos colaterais.

Mueller cita, por exemplo, cotas nas universidades e, perversamente, a queda no nível em sala de aula. A longo prazo, segundo ele, a balança tende a se equilibrar.

Um exemplo ocorreu a partir da redemocratização, apontou o coautor Carlos Pereira, cientista político da Fundação Getulio Vargas. Ele falou em inclusão "muito ampla" com a universalização da saúde, da educação, da previdência rural, entre outros.

A "grande dissipação" foi a hiperinflação, apontou Pereira, domada pelo Plano Real. "O que você coloca como crise, que motiva mudança, nós chamamos de janela de oportunidade", afirmou o coautor.

Melo, da UFPE, enfatizou: "crises são produtos de expectativas que se mostram sem fundamento. Nós estamos agora em uma clara janela de oportunidade".
Duas intervenções desafiaram o conceito de crença.

Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos, observou que a sociedade brasileira mostra que valoriza o paternalismo e a intervenção estatal na economia.

"Se não há mudanças fortes de crença, a capacidade de aperfeiçoamento das instituições talvez não seja tão sólida", ponderou.

O cientista político Celso Rocha de Barros, colunista da Folha, observou que faltou abordar o papel dos conflitos entre a elite e a não elite e o da competição partidária na formação de consensos.

"FHC convenceu parte da elite a adotar medidas liberais que ela talvez não quisesse adotar, mas um pouco por medo do Lula", afirmou. "Por outro lado, a moderação do PT veio por sucessivas derrotas eleitorais", afirmou.


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