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Ajuste fiscal permitiu reajuste salarial no Paraná, diz secretário

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O secretário da Fazenda do Paraná, Mauro Ricardo Costa
O secretário da Fazenda do Paraná, Mauro Ricardo Costa

O secretário da Fazenda do Paraná, Mauro Ricardo Costa, começa a colher os frutos do ajuste fiscal implementado no Estado. As medidas causaram grande desgaste à imagem do governador Beto Richa (PSDB), que viu sua margem de aprovação cair vertiginosamente.

Implementado há mais de um ano, o programa de corte de gastos coordenado por Costa rendeu um aumento salarial aos servidores públicos superior a 10% em janeiro, realidade inédita no país. No entanto, ainda há muito a ser feito.

Em entrevista à Folha, o auditor fiscal que atou como secretário das Finanças em governos municipais de José Serra (PSDB-SP), Gilberto Kassab (PSB-SP) e Antônio Carlos Magalhães Neto (DEM-BA), afirma que para o ajuste funcionar é preciso "ter confiança da equipe que governa porque as medidas são duras" e disse que o ex-ministro Joaquim Levy, que tentou implementar um programa nacional de cortes de gastos, não teve sucesso porque "não é pessoa de confiança dos membros do governo federal".

Folha - Em 2015 quantos Estados, além do Paraná, conseguiram aumentar a receita?
Mauro Ricardo - Todos os estados tiveram redução de receita. Porque a receita corrente líquida dos estados mostra que até outubro o único estado da federação que tinha um crescimento positivo era o Paraná. Os demais tinham decréscimos reais em relação à receita.

Por que houve essa situação diferenciada?
Porque iniciamos o ajuste fiscal ainda dezembro de 2014, não esperamos entrar 2015 para fazer o ajuste, e os impactos começaram a ocorrer a partir de janeiro. Se não tivéssemos feito isso, não poderíamos ter dado o aumento salarial aos servidores públicos de 10,67% que foi feito em janeiro. Acredito que ninguém vai dar esse aumento. O governo federal vai dar 5,5% a partir de agosto, então é uma situação diferenciada do que está ocorrendo no Brasil.

Onde outros estados, como Minas Gerais, que enfrentam problemas como o parcelamento de salários dos servidores, erraram?
Estados como Minas e o governo federal não fizeram esse dever de casa [de fazer o ajuste o quanto antes] e estão sofrendo os efeitos que vemos hoje, que aliados a uma crise econômica e política nacional vão agravar a situação. Se você não fez o dever de casa e ainda está com redução significativa da atividade econômica, isso vai interferir na receita.

Acredita que as despesas dos estados ampliarão com a crise econômica do país?
Certamente. As pessoas que estavam com os filhos em escolas privadas, em parte, vão migrar para a rede pública. Na saúde a mesma coisa, parte das pessoas com planos vão rescindi-los e recorrer ao SUS. O desemprego pode gerar aumento de violência e mais gasto com segurança pública. Ou seja, quando há a redução da atividade econômica, consequentemente há mais demanda por serviços públicos e queda de arrecadação. Os serviços públicos se degradam por conta da queda de arrecadação e, por outro lado, aumenta a demanda por serviços públicos. Por isso, este é um momento em que a população irá sofrer muito.

Houve uma tentativa frustrada de se realizar um ajuste fiscal por parte do governo federal em 2015. A iniciativa foi frustrada por culpa do ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy ou por culpa das divergências entre ele e o próprio governo e o PT?
É um conflito entre o discurso eleitoral e a prática. Isso gerou uma desilusão por parte de quem votou na candidata [e presidente eleita Dilma Rousseff] e isso contribuiu para o ambiente político hostil em relação às medidas que estavam sendo propostas. Elas eram contrárias ao discurso político feito antes de Dilma se reeleger.

Qual sua avaliação do papel de Levy como ministro da Fazenda?
Acho que ele não deveria ter aceitado o cargo porque tem o pensamento totalmente diferente do governo, não é uma pessoa de confiança dos membros do governo. Para fazer um ajuste fiscal tem que ter confiança da equipe que governa porque as medidas são duras e é imprescindível apoio político. Se não há um alto grau de confiança e há disputas, isso dificulta o trabalho significativamente.

Por essa perspectiva as coisas devem funcionar melhor com o ministro Nelson Barbosa?
Em termos de afinamento sim, mas os outros problemas continuam. O discurso da campanha é diferente das ações que estão sendo propostas pelo governo. Isso vai criar conflitos permanentes no Congresso Nacional.

Mesmo com o aumento, o ajuste não foi suficiente para pagar as dívidas do Estado, que fechou o ano passado com cerca de R$ 2,5 bilhões em contas atrasadas. Acredita que algo poderia ser feito e não foi?
Não. Fechamos o ano em termos de restos a pagar com esse valor liquidados e não liquidados, mas com R$ 3,9 bilhões de recursos em caixa para pagar os pagamentos. Temos esse recurso em caixa. São despesas inscritas em restos a pagar mas ainda não apareceu credor. O problema é quando o Estado tem restos a pagar inscritos e não tem dinheiro em caixa para efetuar o pagamento, como no ano anterior.

Como era a situação?
Um ano antes a situação do Paraná era de um déficit de R$ 1 bilhão. O Estado tinha R$ 2,9 bilhões de restos a pagar e R$ 1,9 bilhões de caixa.

O que foi vital para que o ajuste funcionasse?
A equalização das alíquotas de ICMS e IPVA. Havia uma subtributação. Os estados tributavam a 18% e o Paraná a 12%. Junto com equalização das alíquotas fizemos uma ação de combate à inadimplência e à sonegação e abrimos a possibilidade de pagamentos parcelado de tributos. Com essas medidas a arrecadação foi ampliada. Fizemos também uma revisão dos benefícios fiscais que eram concedidos pelo Estado reduzindo a receita disponível do Paraná. Todas essas ações ampliaram bastante a receita ordinária.

O setor produtivo está se queixando do aumento de impostos. Dizem que esse dinheiro está sendo consumido pelo governo, mas não irrigando a economia. Qual avaliação dessa crítica?
O governo não fica com o dinheiro, ele retorna para a economia em pagamentos de salários que envolve gastos. Como disse, havia uma subtributação. Não é possível que os outros estados tributem a 18% e aqui a apenas a 12%. Com isso, havia uma receita inferior ao que deveria ter. Isso gerava déficits significativos nos exercícios anteriores. Mas os paranaenses não estão pagando mais do que em outras unidades da federação. O importante é ver o que isso gera em termos de resultados.

Outra medida polêmica foi a criação do fundo envolvendo o pagamento dos aposentados mantido por contribuições de servidores do governo.
Esse é um discurso político, né? Havia dois fundos, um de capitalização e um de repartição simples, com pagamento de recursos do tesouro. Para equilibrar o fundo de capitalização, em 2012, tiraram funcionários que estavam no fundo de capitalização e os levaram para o tesouro pagar. Isso gerou um desequilíbrio nas despesas do tesouro. Ano passado observamos que o fundo de capitalização tinha um superávit que dava para pagar todo mundo e ainda sobrava dinheiro. Então pegamos 33 mil servidores aposentados e os migramos para esse fundo de capitalização. Ou seja, os retornamos para onde eles estavam anteriormente. Isso é que que foi feito.

As medidas do ajuste trouxeram muito desgaste a imagem do governador Beto Richa, principalmente em relação à greve dos professores.
Tem desgaste, claro. É natural nesse processo de ajuste fiscal. Mas esse desgaste vai se recuperando à medida que mostramos as ações que o Estado pode fazer, diferentemente da realidade das outras unidades da federação.

Há alguma pesquisa que mostra a recuperação da imagem do governo ou como essa imagem foi afetada pelo ajuste?
Não. Mas a informação que tenho é que, apesar de a última pesquisa feita pelo Instituto Paraná [divulgada em janeiro] demonstrar cerca de 24% de aprovação [Richa foi o governador com menor taxa de aprovação entre os 13 pesquisados] os índices já estiveram bem abaixo disso, nos momentos de discussão dos projetos na Assembleia Legislativa. Então se percebe uma curva de crescimento da aprovação do governo em relação às medidas que estão sendo adotadas.

Qual foi o mínimo de aprovação que Richa chegou durante o ajuste?
Ah, deve ter chegado a aproximadamente uns de aprovação.

Por que chegou a uma aprovação tão baixa?
Houve uma articulação muito grande por parte dos professores, do ambiente político, havia uma questão da discussão da Lava Jato que está em Curitiba e era importante criar um contraponto aqui. Isso certamente contribuiu para a ampliação do movimento político.

Qual será a meta de investimento para 2016?
Vamos ter um orçamento de investimento de R$ 8 bilhões. Só não vai se realizar se acontecer uma catástrofe econômica. Em 2015 foi em torno de R$ 3 bilhões, este ano será quase três vezes mais.

Quais os principais problemas que o Estado ainda enfrenta?
O gasto de pessoal são expressivos. O desafio é a receita crescer acima da inflação para suportar esses aumentos salariais e, aos poucos, criar margem para cada vez mais investir em benefício para o cidadão. Eu gostaria de chegar com investimentos da ordem de R$ 10 bilhões média/ano de investimento a partir de 2017. Para isso é preciso controlar o custeio administrativo, para que ele não cresça acima da inflação e para que a receita cresça acima da inflação.

Nesta semana o governo discutiu os estados a volta da CPMF e o aumento do limite de crédito. Qual sua posição?
Nos colocamos de forma contrária à volta da CPMF. Até porque, quando acabou a CPMF, o governo aumentou o IOF (Imposto Sobre Operações Financeiras) e a contribuição social sobre o lucro das instituições financeiras. E agora, quer voltar com a CPMF e mexer no IOF e não alterar a contribuição social. Outra questão é a briga fratricida que será gerada entre os estados, pois não há critério de distribuição de recursos.


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