Folha de S. Paulo


Filósofa Marilena Chaui não acredita que haja acordo entre Cunha e governo

A filósofa Marilena Chaui não acredita que haja um acordo de cessar fogo sendo feito para beneficiar o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e a presidente da República, Dilma Rousseff.

Chaui, que não dá entrevistas a jornalistas, participou de evento nesta sexta-feira (16) em que intelectuais de esquerda se posicionaram contra o impeachment de Dilma. Quando a reportagem pediu a opinião dos presentes sobre um eventual acerto entre petistas e Cunha, a filósofa falou ao auditório: "É mentira, é mentira".

O deputado Paulo Teixeira (PT-SP), que estava presente, também disse ser mentirosa a informação sobre um acordo entre governistas e Eduardo Cunha. O diplomata Paulo Sérgio Pinheiro, que conduzia a discussão, afirmou então que questões político-partidárias não estavam na pauta do encontro.

O evento também contou com as presenças, entre outros, do cientista político André Singer, colunista da Folha e porta-voz da Presidência no primeiro governo Lula; do jornalista e escritor Fernando Morais; da socióloga Margarida Genevois, ex-presidente da Comissão Justiça e Paz de São Paulo; e do ex-senador italiano José Luiz del Roio.

Os participantes classificaram um eventual impeachment de Dilma como grave retrocesso da democracia, ressaltando que a presidente não cometeu nenhum crime. "Impeachment é um instrumento grave para proteger a democracia, não pode ser usado para ameaçá-la", diz o documento distribuído pela organização do evento. "Os parlamentares brasileiros devem abandonar essa pretensão de remover a presidente sem que exista nenhuma prova direta, fronta de crime."

MENÇÃO A FHC

Chaui classificou as tentativas de impedimento da presidente como golpe e lamentou a atuação pró-impeachment de pessoas que se opuseram à ditadura militar. Logo antes, ela havia citado o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) entre as pessoas que, em 1964, formaram com ela uma corrente para tentar impedir a entrada do Exército no Centro Universitário Maria Antonia.

A filósofa também listou figuras que, na visão dela, ameaçam caminho democrático: "Nós temos, de um lado, a figura do menino bem nascido, do menino bonitinho, que fala às classes médias urbanas. Temos também um homem da Opus Dei, que fala ao conservadorismo das classes médias urbanas. E nós temos também aquele que fala a linguagem messiânica das igrejas evangélicas."

Foram referências ao senador Aécio Neves (PSDB-MG), ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), e ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), respectivamente. Mas ela não citou os nomes.

Leia a nota divulgada no encontro:

*

A sociedade brasileira precisa reinventar a esperança

A proposta de impeachment implica sérios riscos à constitucionalidade democrática consolidada nos últimos 30 anos no Brasil. Representaria uma violação do princípio do Estado de Direito e da democracia representativa, declarado logo no art. 1º da Constituição Federal.

Na verdade, procura-se um pretexto para interromper o mandato da Presidente da República, sem qualquer base jurídica para tanto. O instrumento do impeachment não pode ser usado para se estabelecer um "pseudoparlamentarismo". Goste-se ou não, o regime vigente, aprovado pela maioria do povo brasileiro, é o presidencialista. São as regras do presidencialismo que precisam vigorar por completo.

Impeachment foi feito para punir governantes que efetivamente cometeram crimes. A presidente Dilma Rousseff não cometeu qualquer crime. Impeachment é instrumento grave para proteger a democracia, não pode ser usado para ameaçá-la.

A democracia tem funcionado de maneira plena: prevalece a total liberdade de expressão e de reunião, sem nenhuma censura, todas as instituições de controle do governo e do Estado atuam sem qualquer ingerência no poder por meio de eleições livres e diretas.

Seria extraordinário retrocesso dentro do processo de consolidação da democracia representativa, que é certamente a principal conquista política que a sociedade brasileira construiu nos últimos trinta anos.

Os parlamentares brasileiros devem abandonar essa pretensão de remover a presidente sem que exista nenhuma prova direta, fronta de crime. O que vemos hoje é uma busca sôfrega de um fato ou de uma interpretação jurídica para justificar o impeachment. Esta busca incessante significa que não há nada claro. Como não se encontram fatos, busca-se agora interpretações jurídicas bizarras, nunca antes feitas neste país. Ora, não se faz impeachment com interpretações jurídicas inusitadas.

O processo de impeachment sem embasamento legal rigoroso de um governo eleito democraticamente causaria um dano irreparável à nossa reputação internacional e contribuiria para reforçar as forças mais conservadoras do campo internacional.

Não se trata de barrar um processo de impeachment, mas de aprofundar a consolidação democrática. Essa somente virá com a radicalização da democracia, a diminuição da violência, a derrota do racismo e dos preconceitos, na construção de uma sociedade onde todos tenham direito de se beneficiar com as riquezas produzidas no país. A sociedade brasileira precisa reinventar a esperança.


Endereço da página:

Links no texto: