Folha de S. Paulo


Índios instalam câmeras com sensores para flagrar desmatamento ilegal

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Amanhece no último pedaço de floresta amazônica que resta no Maranhão. A neblina cobre a terra vermelha, o sol forte ainda não apareceu, e os Ka'apor se preparam para uma novidade na rotina de proteger seu território: pela primeira vez usaram câmeras com sensores de movimento, instaladas na mata, para flagrar possíveis invasores.

A verificação do equipamento gera expectativas, todos se aglomeram para ver o que foi registrado, mas apenas o vento e as a plantas balançando aparecem nos vídeos.

A proposta é que as gravações, feitas com apoio financeiro do Greenpeace, sirvam de prova contra a extração ilegal de madeira. A organização forneceu tanto suporte técnico como treinamento.

A atividade continua. Eles usam uniformes: camisa verde de gola amarela com listras pretas. No peito, o bordado "Ka Usak Ha", que significa "Guardas Florestais". É assim que se autodenominam os Ka'apor que fazem o trabalho de vigiar seu território.

Normalmente o grupo de vigilantes tem entre 30 e 60 índios — ao todo a etinia tem 2.200 integrantes— para 530 mil hectares (quatro vezes e meia o tamanho da cidade do Rio de Janeiro). Nos dias em que a Folha esteve na região, porém, apenas 12 acompanham a reportagem. O motivo: o medo de mostrar o rosto, já que grande parte diz estar ameaçado de morte pelos madeireiros.

No trajeto, várias e pequenas trilhas em meio à mata fechada. Elas levam a troncos de árvores cortados ilegalmente. "Dá raiva, a gente sente também", reclama o líder Miraté, apoiado sobre uma tora cortada de árvore que demora mais de 500 anos para crescer.

Próximo aos limites da terra indígena, mais madeira é encontrada. Eles amontoam tudo e derramam um líquido inflamável sobre as toras. Em pouco tempo, todas estão em chamas —um esforço para intimidar a extração ilegal, o mesmo adotado no combate oficial.

Nos últimos meses, só em decorrência da ação de defesa, oito novos acampamentos foram construídos, beirando a TI (terra indígena). É o método é "ocupar para defender". Uma delas é a Jaxi Puxi Rendá, onde há um ano, no mesmo lugar, funcionava um pátio de madeireiros.

CONFLITO

A tensão entre os Ka'apor e madeireiros, grileiros e fazendeiros se prolonga por mais de 25 anos. A TI Alto Turiassú, homologada em 1982, que fica no Estado com o menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Brasil, já tem 103 mil hectares do seu território desmatados. Toda área ao redor foi convertida em pastos e campos de arroz.

Em setembro de 2014, a etnia ficou conhecida no mundo com as fotografias divulgadas pela agencia Reuters, de índios cercando madeireiros imobilizados e seminus.

O Ministério Público move uma ação desde de 2013, determinando que a Funai e o Ibama instalem postos de vigilância. Nada foi feito até agora.

Segundo o Superintendente do Ibama no Maranhão, Pedro Leão Soares, a ação ainda sob avaliação da Justiça, e a implementação teria um alto custo. "É uma atitude louvável [a dos índios], porém muito perigosa". Procurada, a diretoria regional da Funai informou que o responsável estava em viagem.

Assim, sem ajuda das entidades competentes e sem suporte financeiro do governo, os Kaapor decidiram proteger seu território sozinhos. Segundo o Cimi (Conselho Indigenista Missionário), a violência se intensificou desde então.

Em março deste ano, os índios fecharam todos os ramais (estradas abertas por madeireiros). Pouco depois, em abril, o líder Eusébio Kaapor, 42, foi morto a tiros.

De acordo com a PF (Polícia Federal), tratou-se de um caso de latrocínio —homens encapuzados estariam interessados na moto em que ele estava. Para os índios, foi uma morte executada pelos madeireiros.

Soares endossa a posição de que a morte tem ligação com a máfia local. "Eles estão dispostos a tudo nessa região", diz o superintendente.


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