Folha de S. Paulo


Preso admite que repassou dinheiro a empresas para "ajudar" PT

Zanone Fraissat/Folhapress
Romano, na manhã desta quinta-feira (13), ao ser preso pela PF na Operação Lava Jato
Romano, na manhã desta quinta-feira (13), ao ser preso pela PF na Operação Lava Jato

Preso sob suspeita de coletar e distribuir propina de um contrato com o Ministério do Planejamento, o ex-vereador Alexandre Romano (ex-PT), o Chambinho, admitiu à Polícia Federal que realizou pagamentos ao ex-tesoureiro do PT Paulo Ferreira e fez "contribuições" ao partido por meio de empresas indicadas pelo ex-ministro do governo Lula Luiz Gushiken (Comunicação, morto em 2013).

Os repasses feitos por Romano começaram a ser feitos em 2010, logo que a empresa de sofware Consist foi escolhida, sem licitação, para gerir empréstimos consignados de 2 milhões de servidores federais.

A escolha da empresa de software ocorreu por meio de um convênio de cooperação técnica no momento durante a gestão do então ministro do Planejamento Paulo Bernardo.

Romano, que é suspeito de ter movimentado pelo menos R$ 37 milhões em propina, contou que foi Gushiken quem o indicou para procurar a Consist e duas entidades ligadas ao setor bancário e de seguros e buscar uma solução tecnológica para a gestão dos consignados de funcionários da União.

À época, Gushiken atuava como consultor para o Sinapp (Sindicato de Entidades Abertas de Previdência Privada), entidade que junto com a ABBC (Associação Brasileira de Bancos) fechou o contrato com a Consist para operar a gestão de consignados.

Após a assinatura do contrato e o aval do Ministério do Planejamento, Consist passou a receber R$ 1,25 de cada empréstimo concedido a servidor. Romano diz ter procurado Gushiken para repassar ao ex-ministro metade de seus "honorários" como intermediário do negócio.

Na segunda (17), o juiz Sergio Moro prorrogou a prisão de Romano por mais cinco dias.

Pela narrativa do suspeito, Gushiken primeiro pediu para que ele procurasse o então tesoureiro João Vaccari Neto. O pedido de Gushiken para que o ex-vereador "ajudasse financeiramente o partido" através de Vaccari foi recusado porque, segundo Romano, seu objetivo era ajudar o próprio ex-ministro que havia indicado a possibilidade de negócio com a gestão dos consignados.

A fórmula encontrada foi o repasse direto da Consist a empresas indicadas por Gushiken. O objetivo, segundo Romano, era "ajudar eles, ou seja, o Partido dos Trabalhadores", conforme a transcrição do depoimento.

O ex-vereador relatou que foi procurado por um advogado e um empresário que "se apresentaram dispostos a colaborar na 'missão', que seria basicamente auferir remuneração em suposta suposto benefício a Gushiken".

O advogado é o paranaense Guilherme Gonçalves, bastante próximo de Paulo Bernardo e coordenador do jurídico das campanhas da mulher dele, a senadora Gleisi Hoffmann - ambos do PT paranaense.

Para a Procuradoria, os pagamentos da Consist a Gonçalves (R$ 7,2 milhões) eram disfarce para a propina.

"AJUDA"

Repasses feitos pela Consist a outro escritório de advogados, o Portanova, segundo Romano, não correspondiam a serviços prestados, mas a uma "ajuda" ao ex-tesoureiro do PT Paulo Ferreira. Teriam sido ao menos R$ 240 mil.

Ferreira teria procurado o operador da Consist pedindo que transferisse dinheiro para o escritório porto-alegrense para "ajudá-lo".

"[Romano] apenas sabe que o beneficiário final dos repasses foi Paulo Ferreira () que ajudou Paulo Ferreira de forma 'pessoal' e que solicitou a ele que indicasse uma pessoa jurídica para quem pudesse emitir a nota fiscal", diz trecho do depoimento.

Ao menos dois funcionários do Planejamento foram implicados nas suspeitas. Segundo a Polícia Federal, o ex-secretario do ministério Duvanier Paiva Ferreira, já falecido, foi destinatário de propina. A investigação aponta que Cássia Gomes, viúva do servidor, recebeu repasses de R$ 30 mil.

No depoimento, Romano implicou mais um funcionário no esquema, o assessor Valter Correia, indicado por uma das empresas que receberam dinheiro da Consist para "auxiliar" na renovação anual do contrato para gestão dos consignados.

OUTRO LADO

O PT tem negado sistematicamente ter recebido qualquer recurso com origem em desvios de estatais. O partido afirma que todas as doações que recebeu foram legais e declaradas à Justiça Eleitoral.

Citado por Alexandre Romano como destinatário de "ajuda" da Consist ao PT, o ex-tesoureiro do partido Paulo Ferreira negou que tenha qualquer recurso através do escritório de advocacia Portanova, de Porto Alegre.

"O que aconteceu foi que o Romano me procurou e me pediu indicação de um escritório de advocacia especializado em direito trabalhista e previdenciário. Indiquei o escritório do Daisson Portanova, que é reputadíssimo e é meu amigo há mais de 30 anos", disse Ferreira.

O ex-tesoureiro disse que caberá a Alexandre Romano provar a afirmação. "Não faz o menor sentido essa versão dele. Nunca recebi nada dele, não tenho relação com qualquer dessas empresas", disse Ferreira, que conhece o ex-vereador desde 2006.

O ex-ministro Paulo Bernardo não foram localizado até a publicação desta reportagem.

Na semana passada, a senadora Gleisi Hoffmann negou, por meio de nota, que haja qualquer relação entre suas campanhas de 2010 e 2014, assessoradas pelo advogado Guilherme Gonçalves, e os pagamentos da empresa Consist.

O advogado Guilherme Gonçalves refutou a alegação de que tenha recebido da Consist sem prestar serviços. O advogado disse que assinou contrato, impetrou ação judicial em Goiás, fez consultoria e elaborou pareceres jurídicos para a empresa.

O escritório Portanova também afirma que prestou serviços à Consist.

Na semana passada, a Folha tentou ouvir Cássia Gomes, viúva de Duvanier Paiva Ferreira. Uma mulher que atendeu o celular dela e se apresentou como secretária dela disse que ela retornaria a ligação, o que não ocorreu.

A Folha não encontrou Valter Correia.


Endereço da página: