Folha de S. Paulo


Análise

Governo errará se só comparar número de manifestantes

Escrevo este texto antes da consolidação dos números da manifestação deste domingo. Por dever de ofício, fui à avenida Paulista. Percorri o trecho que vai da alameda Joaquim Eugênio de Lima à rua Ministro Rocha Azevedo, das 14h30 às 16h.

A impressão a olho nu é que havia menos gente do que em 15 de março, num volume mais próximo ao protesto de abril.

Dito isso, seria um erro de análise do governo comemorar a queda de público e achar que a crise política e econômica está prestes a se dissipar.

Alguns fatores dos atos deste domingo mostram, isso sim, uma convergência maior dos milhares que foram às ruas para o "fora Dilma!".

No lotado março, o impeachment ainda não era pauta oficial de parte dos movimentos. Agora era um clamor geral.

Acabou também qualquer cerimônia ao tratar lideranças do PT, autoridades do Ministério Público e do Judiciário e lideranças do Legislativo, num sinal de que a insatisfação se espraia na mesma velocidade em que avançam as tentativas de "acordão".

Lula, que apareceu de maneira lateral nos primeiros protestos –notadamente em Brasília, com a camiseta com a impressão de uma mão com quatro dedos– foi protagonista deste 16 de agosto. A imagem mais difundida do protesto em Brasília mostra um gigante balão inflável do ex-presidente vestido de presidiário, se sobressaindo sobre faixas, cartazes e dominando a paisagem.

Na Paulista, havia mamulengos de Lula e Dilma Rousseff vestidos de irmãos Metralha, escondendo sacos de dinheiro nas costas. Foram os alvos preferenciais de jingles, cartazes e gritos de guerra.

Isso não é trivial. Até a campanha de 2014, com Dilma já em dificuldade para confirmar sua reeleição, Lula ainda era poupado de críticas pela oposição.

Ainda agora, quando as investigações sobre o petrolão e os empréstimos do BNDES se aproximam do petista, existe uma tentativa do PT e das entidades que gravitam ao redor do partido de poupar o ex-presidente –o gesto simbólico foi o "abraçaço" ao redor do instituto Lula, cujas finanças também estão na mira da Justiça Federal.

Lula passou a semana a pontificar saídas para a crise, como se dela não fosse personagem. Menores ou não, as manifestações deste domingo, que foram realizadas em todo o país, e não apenas no Sul-Sudeste e não só com a classe média-alta, fizeram questão de colocar o antecessor de Dilma como abre-alas do desfile.

Da mesma forma, os protagonistas dos movimentos que, nas últimas semanas, deram fôlego ao governo para reagir às investidas pró-impeachment, receberam sua dose de protestos das ruas.

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, aparecia de pizzaiolo num cartaz na Paulista. Renan Calheiros foi alvo de protestos no carro de som do Vem pra Rua e no do Movimento Brasil Livre. E o TCU –que, se o Datafolha perguntar, ninguém que estava lá deve saber ao certo para que serve– também aparecia em faixas e galhardetes para que vote logo as contas da presidente em 2014.

Dilma é a presidente com pior avaliação da série histórica do Datafolha, superando Fernando Collor, que renunciou para escapar do impeachment. Os números da economia, conforme mostrou excelente levantamento de Gustavo Patu na Folha deste domingo, impulsionam a debacle de hoje, como a de ontem.

Achar que esse quadro pode ser alterado apenas porque as ruas receberam alguns milhares a menos de pessoas num domingo será mais um sinal da tibieza da articulação política ao redor de Dilma.

Da mesma forma, é um arranjo frágil este que delega a governabilidade a elementos como a condescendência do TCU, a vagareza do procurador-geral da República e a boa vontade de uma raposa política como Renan Calheiros. Qualquer mudança do vento ou o recrudescimento da pressão popular sobre qualquer dessas forças já quebra uma viga dessa palafita.

Resta ao governo dar respostas na economia e fazer gestos mais claros na esfera política –fala-se muito em reduzir o tamanho do governo e construir uma base no Congresso que, ainda que seja menor, seja mais confiável– para que a sustentabilidade seja de longo prazo, e não apenas um respiro entre uma manifestação e outra.

Afinal, foram três protestos nacionais, dos grandes, num intervalo de cinco meses, e em apenas oito de mandato.


Endereço da página:

Links no texto: