Folha de S. Paulo


Coordenação entre instituições pode melhorar combate à corrupção, diz jurista

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A estrutura legal brasileira que prevê a possibilidade de um único caso de corrupção receber ser objeto de três processos distintos -nas esferas penal, civil e administrativa -pode representar mais desperdício de recursos humanos e financeiros do que efetividade na aplicação da lei.

O argumento foi apresentado pela jurista Maíra Rocha Machado, do Núcleo de Estudos sobre o Crime e a Pena da FGV (Fundação Getúlio Vargas), durante o terceiro evento da série Diálogos, promovida pela Folha e pelo Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), nesta quarta-feira (24).

"Temos um modelo que permite que o mesmo caso seja processado penalmente como crime de corrupção, como ação de improbidade no plano civil e como ilícito na esfera administrativa. Estas justaposição faz com que processos tramitem por anos de maneira totalmente autônoma, embora digam respeito a um único fato", analisou Maíra Machado.

Segundo a pesquisadora, a coordenação entre instituições que monitoram, investigam e processam atos de corrupção -como órgãos de controle, polícias e Ministério Público e, em outro nível, as esferas penal e civil do Judiciário -poderia resultar em melhoria da performance do sistema de justiça nos casos de corrupção.

O argumento da jurista é que, pelo atual modelo brasileiro, a interação entre instituições como órgãos de controle e de investigação do Executivo, Legislativo e do Ministério Público costuma ser problemática: muitas vezes, em vez de agirem de forma coordenada, eles se ignoram mutuamente.

"Uma cultura jurídica altamente departamentalizada, como a brasileira, pode implicar em desperdício e retrabalho no Judiciário, no Ministério Público e na própria investigação policial", disse a especialista.

LACUNA DE DADOS

Uma outra questão crítica para a melhoria de desempenho do sistema judicial é metodológica. Segundo Machado, o país trabalha com oferta insuficiente de dados confiáveis sobre o sistema penitenciário.

Os dados do Infopen (levantamento nacional de informações penitenciárias), divulgado pelo Ministério da Justiça, mostram que o país tem a quarta maior população carcerária do mundo (607.700 presos no ano passado), mas lacunas impedem o refinamento dos dados para mostrar, por exemplo, a evolução das prisões relacionadas a casos de corrupção.

Isso se deve a problemas como a não uniformização da coleta de dados em diferentes Estados ou mesmo à recusa deliberada de alguns governos de fornecerem informações ao Ministério da Justiça. É o caso da Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo, que não enviou dados para o levantamento, conforme a pesquisadora.

"A primeira ausência de dados se refere ao fluxo de presos processados e condenados. Não dá para saber, por exemplo, quem entrou e saiu do sistema", disse a jurista.

LAVA JATO

O outro debatedor do evento, o cientista político Cláudio Couto, do Departamento de Gestão Pública da FGV, criticou aspectos da Operação Lava Jato. Ele vê nas prisões em série desde a deflagração da primeira fase da operação um meio de "achacar judicialmente" os envolvidos para obter delações premiadas. A crítica é idêntica à de advogados de defesa que atuam em ações penais da Lava Jato, mas refutada tanto pelos procuradores da Força-Tarefa quanto pelo juiz Sergio Moro.

Couto também ponderou que um dos efeitos da Lava Jato pode ser um dano permanente ao setor de infraestrutura do país: "Temos de discutir se vamos provocar um dano econômico que ponha em risco a existência destas empresas. Se se destrói estas empresas, vamos comprar de quem? Dos chineses? Isso não me parece muito melhor".

A mesa do evento desta quarta foi mediada pelo jornalista da Folha Guilherme Brendler.


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