Folha de S. Paulo


Para juízes, cota para negro não terá efeito

A reserva de vagas destinadas aos negros nos concursos para a magistratura, aprovada e anunciada pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) como um avanço histórico, pode ter efeitos limitados ou enfrentar obstáculos legais.

Para magistrados ouvidos pela Folha, como somente os aprovados em concurso podem assumir as vagas, a cota de 20% para negros pode não ter efeito prático.

Segundo o juiz Marco Augusto Ghisi Machado, da comarca de Palhoça (SC), "sempre sobram vagas nos concursos para a magistratura, e a reserva de algumas delas não vai ter efeito prático, é meramente cosmética". "O negro não é inferior intelectualmente", diz Machado, casado com uma médica baiana, que tem ascendência parda na família.

Segundo o juiz, "as cotas deveriam favorecer as pessoas que não têm condições para ascender na escala social". Machado concorda com o ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), para quem as cotas deveriam priorizar os aspectos socioeconômicos, e não apenas a questão étnica.

"Para cargos burocráticos, pode-se usar cotas. Eu não aceito para juiz, tem que colocar os mais capazes", diz a ministra aposentada do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e ex-corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon.

"Existe muito proselitismo no sentido de igualar. Eu acho um horror", afirma.

Presidente da comissão do último concurso de ingresso do Tribunal de Justiça de São Paulo, o desembargador Geraldo Francisco Pinheiro Franco diz que "os candidatos serão submetidos a provas e somente os aprovados serão nomeados, independentemente da origem".

No último concurso do TJ-SP, o maior do país, foram abertas 215 vagas e apenas 112 candidatos passaram para a segunda fase, de exame oral. "O conhecimento continuará sendo o fator de importância no preenchimento dos cargos", diz Pinheiro Franco.

O presidente da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis), Jayme Martins de Oliveira Neto, acha que o CNJ deveria ter ouvido a sociedade. "Entendo que a decisão não poderia ter sido tomada por resolução, mas por lei. Acho que os candidatos podem questionar essa regra, abrindo margem para ser derrubada", diz.

Ele ressalta que a Apamagis, entidade com forte presença de juízes do primeiro grau, ainda não tem uma posição oficial sobre o tema.

ERRO HISTÓRICO

Na sessão que aprovou a cota para negros, o presidente do CNJ, ministro Ricardo Lewandowski, afirmou que o órgão estava "contribuindo para a pacificação e a integração" do país, e que, de certa forma, o órgão reparava um erro histórico em relação aos afrodescendentes.

No último dia 3, a presidência do Tribunal de Justiça da Bahia, antecipando-se ao CNJ, enviou à comissão de reforma do regimento interno do colegiado a proposta de reservar aos afrodescendentes 20% das vagas nos futuros concursos públicos para cargos de servidores e magistrados.

"Entendemos que há uma necessidade de se resgatar uma dívida social que é imensa", diz o presidente do TJ da Bahia, desembargador Eserval Rocha.

Rocha lembra que a Bahia é o Estado com maior número de pessoas que se autodeclaram negros no país, e Salvador, a cidade com maior número de habitantes negros fora da África.

Para o presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho, Germano Siqueira, a preocupação do CNJ com o resgate social merece elogios, mas "deve se ter em conta que, geralmente, as vagas abertas em concursos de ingresso à magistratura não são preenchidas mesmo sem cotas".

"Simplesmente rebaixar notas de corte, como se chegou a sugerir, poderia comprometer a própria qualidade da prestação jurisdicional", diz. "A expectativa é que, com o tempo, descubram-se outras medidas mais eficazes", diz Siqueira.

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Bruno Poletti - 14.mar.2014/Folhapress

"Entendo que a decisão [de instituir cotas para negros nos concursos para juiz] não poderia ter sido tomada por resolução [do CNJ], mas por lei. Acho que os candidatos podem questionar essa regra, abrindo margem para ser derrubada"

Jayme Martins de Oliveira Neto, presidente da Apamagis (Associação Paulista de Magistrados)

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Fernando Vivas - 07.ago.2014/Folhapress

"Para cargos burocráticos, pode-se usar cotas. Eu não aceito para juiz, tem que colocar os mais capazes. Existe muito proselitismo no sentido de igualar. Eu acho um horror"

Eliana Calmon, ministra aposentada do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e ex-corregedora nacional de Justiça

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Pedro Ladeira - 10.jun.2015/Folhapress

"É a primeira vez que um dos poderes da República reservará uma cota para cidadãos oriundos de mais de 50% da população que não têm acesso aos cargos de poder nesse país. Esse é um passo histórico muito relevante"

Ricardo Lewandowski presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), na terça (9)


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