Quem desembarca no aeroporto Marechal Rondon, em Cuiabá, não demora a perceber que o calor escaldante será o menor dos desafios a enfrentar ao longo do dia.
Ao deixar o saguão de desembarque e cruzar o portão de saída, o passageiro é apresentado a um cenário de caos.
São operários e máquinas pesadas disputando áreas com táxis, vans e carros de passeio, em meio a tapumes, buracos, barulho e lama.
Enquanto se acotovelam para conseguir espaço e carregar suas bagagens, os usuários do pior aeroporto do país (segundo pesquisa recente da Anac) trocam comentários de surpresa com a situação.
Mesmo quem consegue embarcar num veículo não tem vida fácil. Em menos de 500 m, será preciso tomar o primeiro de uma série de desvios que se multiplicam pela cidade.
Nas principais avenidas, obras estreitam pistas e fazem o trânsito lembrar o pior das maiores metrópoles.
Dois anos atrás, quando as principais intervenções começaram a sair do papel, a constatação de que a cidade havia se tornado um canteiro de obras era um fato percebido como positivo.
Agora, a possibilidade de a capital de Mato Grosso fazer feio tem deixado os cuiabanos apreensivos.
Joel Silva/Folhapress | ||
Obra em Cuiabá na avenida do hotel da delegação da Fifa; trecho não ficará pronto para a Copa |
"A cidade, infelizmente, não está pronta", diz Valdemir da Guia Leite, 42. "Vai ficar quase tudo para depois, e a gente vai passar vergonha.", completa Leite, vizinho da "trincheirona", um buraco de 920 metros de comprimento aberto há dois anos e ainda longe da conclusão.
A obra fica na avenida Miguel Sutil, a mais importante via de acesso à Arena Pantanal. Dali até o estádio, são 8 km ao longo dos quais foram iniciadas outras três trincheiras e um elevado.
Apenas duas destas intervenções foram inauguradas. Uma das trincheiras inacabadas fica em frente ao hotel reservado para hospedar a delegação da Fifa.
O estabelecimento fica em frente a uma valeta de 17 metros de largura que, após a forte chuva que atingiu a cidade na semana passada, se transformou em um atoleiro.
O governo já reconheceu que essa obra não ficará 100% pronta, e o acesso ao hotel será feito apenas por meio de estreitas vias marginais.
A situação obrigou o governo a mudar o discurso. Maurício Guimarães, secretário da Copa, admitiu que a cidade terá no Mundial um aspecto diferente do prometido.
Mas afirmou que as "estruturas fundamentais" estarão prontas ou, ao menos, "funcionais". "O turista vai vir para cá pela festa, não para ver viaduto ou trincheira."
MOBILIDADE
É o caso do VLT, obra de R$ 1,4 bilhão que deveria ter sido entregue em março passado, mas ficou para dezembro.
O novo sistema de transportes foi licitado pelo RDC, regime diferenciado de contratação, criado justamente para acelerar obras destinadas à Copa e à Olimpíada.
Hoje, quem desembarca na cidade tem a certeza de que a corrida contra o tempo foi perdida. A população agora se preocupa com a continuidade das obras no pós-Copa.
"Depois vem eleição, muda governo e a gente pode ficar com tudo pela metade", diz o estudante Fagner Arruda, 22. "Se isso acontecer, o bicho pega e a população irá se revoltar."