Folha de S. Paulo


'São Paulo passou a ser protagonista da política brasileira com as Diretas-Já'

Presente no "monstruoso" comício da Sé pelas Diretas-Já, quando era um jovem deputado federal pelo PMDB baiano, Domingos Leonelli recorda a admiração mútua entre os que se espremiam no palco e quem tomava no chão da praça.

"O assunto principal do palanque era a multidão, enquanto o assunto principal da multidão era o palanque", disse Leonelli, 68, em entrevista por telefone à Folha, na semana passada.

Para ele, caso saísse vitoriosa, a campanha das Diretas-Já teria sido "a primeira revolução democrática brasileira". O baiano disse que os comícios de 1984 se diferenciam das manifestações de junho do ano passado pelo objetivo político definido, por ter atraído mais gente e pela ausência de violência.

Hoje no PSB, Leonelli é coautor do livro "Diretas Já: 15 Meses Que Abalaram a Ditadura", publicado em 2004. A obra de 639 páginas foi escrita a quatro mãos com o autor da emenda da eleição presidencial imediata, Dante de Oliveira, morto em 2006.

Zanone Fraissat - 11.set.2012/Folhapress
Domingos Leonelli, coautor do livro 'Diretas Já: 15 Meses Que Abalaram a Ditadura'
Domingos Leonelli, coautor do livro 'Diretas Já: 15 Meses Que Abalaram a Ditadura'

A seguir, trechos da entrevista concedida à Folha:

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A emenda Dante de Oliveira

A campanha pelas diretas nasceu no Parlamento, no primeiro semestre de 1983. Foi uma proposta de um pequeno grupo de deputados do PMDB para fazer uma campanha popular em torno do Dante de Oliveira, que coletou assinaturas pra essa emenda no primeiro mês de janeiro de 1983.

Ele apresentou no primeiro dia de atividade parlamentar. Por isso que teve prioridade. Havia outras emendas, mas essa foi a primeira a ser apresentada. E era a emenda mais simples, restabelecendo o voto direto para presidente.

Houve muita resistência inicial porque era uma mudança de tática da oposição. Naquela época, a oposição tinha a perspectiva de derrotar a ditadura através de uma Constituinte. Mas quem ia convocar a Constituinte? O próprio regime militar?

Na esquerda, a coisa estava entre derrotar a ditadura, a tese do Partidão (PCB) e, de alguma forma. nossa tese também, Dante e eu éramos muito próximos do Partidão, com o Roberto Freire. E a outra tese, da esquerda mais radical, de alguns setores do PT e outras facções, era derrubar a ditadura.

Isso foi atravessado quando o Dante apresentou essa emenda, e nós propusemos uma campanha em torno dessa emenda. Foi uma mudança na estratégia da oposição, muito profunda.

Era uma junção das duas teses: era derrubar a ditadura, com eleição direta para presidente, e era derrotar a ditadura, porque não implicava nenhuma forma armada de luta. Era uma ruptura pacífica.

Unindo a oposição

O primeiro comício foi em junho de 1983, em Goiânia. Depois, houve vários outros. Isso correspondia a uma disputa de lideranças políticas. A bandeira das Diretas-Já foi abraçada por Ulysses Guimarães. Os governadores resistiram no início, mas depois compreenderam que a bandeira unificava o PMDB.

Ulysses queria unificar o PMDB antes de botar a campanha na rua. Nós achávamos que tinha de botar a campanha na rua para unificar o PMDB. Foi um processo muito longo, muito trabalhoso, de unificar o PMDB, depois de unificar o PMDB com o PT. O PT entrou nessa campanha em maio de 1983, numa famosa reunião de Lula com Ulisses Guimarães.

O comício da Sé

O comício de janeiro teve uma enorme importância porque foi a decisão do [governador André Franco] Montoro de entrar na campanha.

A campanha já estava na rua, inclusive com a Folha de S.Paulo, que, em dezembro de 1983, passou a publicar o Roteiro das Diretas, com manifestações que iam acontecer no país inteiro. E era uma coisa muito bonita, com cidades que a gente não sabia que existia. E a Folha publicava todos esses comícios diariamente. A Folha teve um papel fundamental nas Diretas-Já, porque deu caráter nacional à campanha.

Foi um comício monstruoso, muito bonito, cuja organização envolveu todas as lideranças do PT, do PC do B, do PMDB. Já tínhamos agências de publicidade envolvidas, todo um aparato publicitário e de produção mesmo de eventos, com grandes palcos, um comício muito bem preparado. O José Dirceu, o [Aloizio] Mercadante, esse pessoal todo trabalhou muito, era uma comissão de mais de 200 pessoas.

O assunto principal do palanque era a multidão, enquanto o assunto principal da multidão era o palanque. Enquanto o povo na praça considerava muito importante os cantores, os políticos, no palanque só se falava do povo na rua.

Pela primeira vez, deu a São Paulo protagonismo político. São Paulo passou a ser protagonista da história política brasileira a partir da campanha das Diretas-Já. Antes, sempre estava atrás do Rio e de Minas.

O significado da derrota

O mais importante de tudo das Diretas-Já é que, se a emenda tivesse sido aprovada, seria a primeira revolução democrática brasileira. Seria o povo autorizando as elites a escolher o presidente da República, o povo autorizando o processo democrático, e não o contrário.

Teria sido um fato fundador da democracia brasileira. Que, aliás, o país carece muito disso, de um fato fundador nítido, popular. Pela primeira vez, o povo inverteria a ordem.

E aconteceu o contrário, repetindo a história: as elites permitindo ao povo o direito de votar para presidente.

Diretas-Já e os protestos de junho

Há uma diferença abismal: primeiro, as Diretas-Já tinham um objetivo político definido, correspondia a uma estratégia da oposição política de todos os partidos. Foi a maior manifestação popular e política da América da Latina, talvez do mundo. Nunca se mobilizaram tantas pessoas.

Não foram só os grandes comícios. Antes, foi uma longa preparação política organizada, com disputas muito sérias. E tinha um objetivo muito definido.

As campanhas de junho não tinham um objetivo claramente definido e, meu ver, não foi parecido nem em termos de volume.

Outra coisa é que a Diretas-Já foi realizada de forma absolutamente pacífica. Nós precisávamos dizer à ditadura que não era bagunça, baderna. Precisávamos desmentir a ditadura de que era baderna. A campanha não registrou absolutamente nenhum incidente de violência.


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