Folha de S. Paulo


'Feirão' das filiações testa apetite de políticos por vantagens na troca de partidos

O deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força, tem fome. Está com um garfo na mão e um celular na outra às margens do lago Paranoá, em Brasília.

Na churrascaria Porcão, o almoço sai a R$ 105 por pessoa, fora bebidas (vinho tinto, "para não beber cachaça") e sobremesas. Como o abacaxi descascado que ele, ex-PDT-SP, degusta enquanto costura por telefone alianças para seu partido recém-criado, o Solidariedade.

Já o deputado Givaldo Carimbão (ex-PSB de Alagoas) propõe preencher o buraco no estômago e nas ambições políticas dos quase 20 parlamentares reunidos em torno da tábua de frios com salaminho e queijo prato, em seu apartamento na Asa Sul, bairro nobre da capital.

Ele é o líder no Congresso de outra sigla novata, o Pros (Partido Republicano da Ordem Social), que contou com patrocínio do governo Dilma Rousseff para contrabalançar a fundação do majoritariamente oposicionista partido de Paulinho da Força.

A criação das 31ª e 32ª legendas do país abriu o apetite do Congresso. E quem tem fome, tem pressa: o parlamentar que quisesse mudar de partido e concorrer em 2014 teve até ontem para escolher sua sigla de desembarque. Pelas regras de fidelidade partidária, migrar para uma legenda nova é a saída para não perder o mandato.

Não à toa, os calouros Solidariedade e Pros viraram ímã dos cerca de 60 congressistas envolvidos no troca-troca partidário de 2013.

Paulinho saca um papel do bolso direito de seu paletó, no cafezinho do plenário da Câmara. Mostra a lista com nomes de deputados que tentava aliciar para o Solidariedade. Entre eles, William Dib (que ficou no PSDB-SP) e Marcelo Aguiar (que acabou indo do PSD para o DEM-SP).

"Muitas vezes o cara vem [negociar] para se acertar com o partido dele", filosofa o deputado sobre os blefes.

E Brasília viu disso aos montes. O ex-jogador Marcelinho Carioca, por exemplo: de saída do PSB-SP, estava "99%" fechado com o Pros, diziam dirigentes da sigla na terça. Curiosamente, outro ex-boleiro, Romário, também esteve "99,9% fechado com o Pros" --só para ficar no PSB e ganhar espaço no diretório fluminense do partido.

No dia seguinte, Marcelinho filiou-se ao PT com grande pompa. A ele foi oferecido o controle do Pros paulistano. Ele declinou na última hora.

Nos corredores da Câmara, a ministra Maria do Rosário (Direitos Humanos) comentava: "O PT é um partido para a vida toda". Ao que o líder do governo entre os deputados, Arlindo Chinaglia, rebateu baixinho: "Não fala isso, não. Nem casamento!".

Carimbão, líder do Pros, não cobra fidelidade partidária até que o pleito os separe. Para amealhar congressistas, a moeda de troca do partido foi objetiva: entregar diretórios regionais a políticos sem espaço nas grandes legendas.

Entre outras moedas comentadas publicamente no Congresso estavam a promessa de maior repasse de fundo partidário aos novatos e a liberdade para negociar tempo de TV nos Estados.

A deputada Liliam Sá (ex-PR-RJ) foi procurada em 2012 pelo presidente Eurípedes Júnior, um ex-vereador em Planaltina (GO), que intercalava a construção do novo partido com a atividade de proprietário de campo de futebol de grama sintética.

Pela primeira vez diante daquele "menino humilde, sem estrelismo", a integrante da Frente da Parlamentar Evangélica confessa: "Não levei muita fé".

Com a aprovação do Pros, veio o dízimo político. "Oferecem a presidência [do diretório carioca]", diz Liliam.

Carimbão leva no bolso do paletó a nota fiscal (R$ 957) com ingredientes daquela terça em sua casa, inclusive três garrafas de uísque (R$ 119 cada).

O jantar teve carne de sol --consumida pelo grupo junto com frases como "Não somos contra, somos Pros".

Mas o prato principal chega à meia-noite: Eurípedes Júnior recebe ligação do governador Cid Gomes (Ceará) confirmando que ele, o irmão Ciro e mais cinco deputados federais migrariam do PSB para o partido dele.

Sinal da volatilidade do mercado, o "proseiro" Ciro Gomes teve como seu vice na disputa presidencial de 2002 o "solidário" Paulinho. Na época, estavam respectivamente no PPS e no PTB.


Endereço da página:

Links no texto: