Folha de S. Paulo


SABRINA FONTENELE E SILVIO OKSMAN

Patrimônio, sociedade e cidade

Maria do Carmo/Folhapress
ORG XMIT: 015301_1.tif Fachada do Juvenato Santíssimo Sacramento, prédio tombado pelo Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo), no bairro do Ipiranga, em São Paulo, SP. (São Paulo, SP. 16.05.2007. Foto de Maria do Carmo/Folhapress)
Fachada do Juvenato Santíssimo Sacramento, prédio tombado pelo Conpresp no Ipiranga, em São Paulo

Temos visto nos últimos meses a questão da preservação do patrimônio cultural ser debatida cotidianamente em função de grandes projetos propostos pela atual gestão municipal. Neste sentido, no último dia 7, o Instituto dos Arquitetos do Brasil lançou uma carta pública com recomendações sobre as políticas de preservação de patrimônio cultural em São Paulo.

Semanas antes, renunciamos à cadeira de conselheiros do Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo) por discordarmos das práticas e da visão de patrimônio que estavam ali sendo exercidas.

Quando aceitamos o desafio de participar do Conpresp, entendíamos, a partir de nossa experiência acadêmica e profissional, que era possível pautar um debate qualificado, que aliasse desenvolvimento e qualificação urbana à preservação do patrimônio.

Temos convicção de que o campo do patrimônio é amplo e não trata apenas de tombar e restaurar edifícios, mas de contribuir para as políticas urbanas como importantes elementos que constituem e representam, de variadas formas, as camadas da sociedade paulistana.

Entendemos ser um assunto complexo, multidisciplinar e que demanda reflexões aprofundadas.

As discussões atuais sobre preservação —dentro daquilo que se entende por patrimônio cultural— incluem outros temas para além daquele de valor histórico ou estético; tratam do cuidado com acervos, coleções, como também de manifestações como festas populares e de rituais próprios, a exemplo do samba rock paulistano e dos teatros independentes.

Certamente haveria grandes embates neste conselho, considerando as propostas divulgadas pela nova gestão. O desafio seria conciliar uma proposta de incentivo à atividade imobiliária aliada à preservação do patrimônio cultural, em uma cidade em transformação permanente e intensa como a nossa.

Ao aceitarmos participar do Conpresp, acreditávamos na capacidade da área técnica (DPH), com funcionários que colaboram na construção de políticas públicas de preservação de patrimônio e que se responsabilizam pelas Jornadas do Patrimônio, que há três anos vêm permitindo a visitação e discussão sobre patrimônio de forma crescente.

O que nos interessava era que ocorresse o debate qualificado entre conselho e área técnica para fundamentar decisões, mesmo cientes de que divergências seriam inevitáveis.

No entanto, as discussões no conselho se mostraram aceleradas demais e limitavam reflexões mais profundas e cuidadosas, como as necessárias para temas complexos como as de intervenções recentes em conjuntos arquitetônicos tombados ou para analisar o tombamento de grandes glebas urbanas numa metrópole em disputa.

Foi decisivo, para questionar nossa representação, acompanhar ao longo dos últimos meses como os estudos técnicos muitas vezes foram descartados ou como, mais de uma vez, foi ignorada a importância que este conselho tem no cuidado com a paisagem urbana. Nossa permanência, muito mais do que contribuir para uma reflexão sobre o patrimônio construído, que caberia aos representantes do IAB, demonstraria que estávamos legitimando essa dinâmica.

Moradores da cidade de São Paulo merecem um conselho que preze pela sua memória nos mais diversos aspectos. Assim, mostram-se urgentes e necessários um acompanhamento mais amplo por parte de seus cidadãos e uma reflexão mais profunda e cuidadosa do que vem ocorrendo neste momento.

SABRINA FONTENELE, 39, arquiteta, pesquisadora de pós-doutorado no IFCH (Instituto de Filosofia e Ciências Humanas) da Unicamp, funcionária do Centro de Preservação Cultural da USP, foi conselheira do Conpresp em 2017 (gestão Doria)
SILVIO OKSMAN, 45, arquiteto e doutor pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi conselheiro do Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo) entre 2013 e 2016 (gestão Alckmin) e do Conpresp em 2017 (gestão Doria)

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