Folha de S. Paulo


Riad Younes

Detecção precoce em câncer

Na semana passada, na Jornada do Paciente com Câncer, promovida por esta Folha, questionou-se a indicação de programas de detecção precoce em câncer. Muitos leitores ficaram com dúvidas sobre seu real valor. As afirmações foram interpretadas fora de contexto. Vamos aos fatos científicos.

É claro que é possível detectar câncer em fases precoces, em que simples procedimentos evitam uma doença potencialmente fatal. Há impacto indiscutível de exame como a colonoscopia na detecção de lesões pré-malignas ou câncer precoce no intestino. O mesmo se diz do exame de Papanicolau no colo de útero.

Portanto, detecção precoce de câncer não é uma falácia total. Por outro lado, não existem atualmente exames que detectem todos os tumores. Muitos pacientes gostariam de "vasculhar" o corpo e achar tumores minúsculos.

Citam, por exemplo, o PET Scan. Apesar de ser excelente exame, apresenta limitações e efeitos nocivos. Geralmente não consegue detectar lesões em fase realmente precoce, menores que oito milímetros. Além disso, muitas das lesões detectadas não passam de lesões benignas sem significado clínico relevante.

Nesse processo, ocorre um desgaste físico, financeiro e emocional para simplesmente se descobrir que não era nada. Isso sem esquecer o potencial nocivo da radiação, da tomografia e do PET.
Hoje temos algumas certezas, e ainda muitas dúvidas.

Temos certeza de que detecção precoce não se recomenda para todos. Deve-se avaliar o risco individual de câncer e o potencial de benefício antes de indicar os exames adequados.

Temos certeza de que existem testes eficientes para encontrar tumores precoces, com impacto óbvio na redução da mortalidade por câncer.

Temos certeza de que algumas pessoas, devido à incidência de câncer na família, apresentem risco mais alto do que a população geral.

Temos certeza de que pessoas com alguns hábitos nocivos, como tabagismo, devem ser submetidas a avaliações periódicas para a detecção de lesões pré-malignas ou câncer.

Por outro lado, temos dúvidas se vale a pena realizar exames para câncer de próstata em pessoas muito idosas. O benefício potencial de encontrar um tumor precoce é sobreposto pelo malefício de tratamento sem impacto na sobrevida.

Há muitos exageros na vontade de detectar tumores. Os nódulos de tireoide são um exemplo gritante. Praticamente nenhuma mulher sai do consultório de sua ginecologista sem um pedido de ultrassonografia de tireoide. A maioria encontra um ou mais nódulos, com chances de não terem nenhuma relevância clínica.

São biopsiadas e operadas, com ou sem complicações e altos custos. Qual o impacto disso? Provavelmente mínimo. Como já alertou o médico L. Davies na prestigiosa revista "Jama": "Não há epidemia de câncer de tireoide nos EUA, mas uma epidemia de diagnóstico".

Também temos dúvidas se o diagnóstico precoce realmente salva vidas ou simplesmente seleciona os pacientes de melhor chance de cura.

Infelizmente, a maioria dos cânceres não é identificada pelos métodos disponíveis. Vários estudos estão sendo realizados para encontrar testes mais sensíveis e seletivos.

De toda forma, é preciso cuidado para não desencorajar as pessoas de realizarem exames comprovados e recomendados para a detecção precoce de câncer.

RIAD YOUNES é diretor do Centro de Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz. Foi diretor clínico do Hospital do Câncer AC Camargo

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