Folha de S. Paulo


editorial

Suspeita abominável

Resta muito a esclarecer sobre o brutal assassinato de cinco jovens da zona leste de São Paulo, mas o caso já denota a falência do Estado de Direito brasileiro.

No mínimo porque, a exemplo de dezenas de milhares de episódios registrados anualmente, o poder público se mostrou incapaz de proteger a vida dos rapazes, cujas idades variavam de 16 a 30 anos.

O episódio, contudo, não se esgota nesse revoltante fracasso cotidiano. Investiga-se a possibilidade de que o crime tenha sido praticado por membros da Polícia Militar.

Ou seja, na pior das hipóteses, agentes responsáveis por garantir o cumprimento da lei violam a Constituição e o Código Penal para formar um grupo de extermínio, transformando-se em assassinos; na melhor, a suspeita se provará infundada —mas a simples existência dessa suspeita já terá dito o suficiente sobre o país.

As circunstâncias relacionadas aos homicídios são chocantes. Na noite de 21 de outubro, os cinco jovens dirigiram-se para uma festa em Ribeirão Pires, na Grande São Paulo. Nunca mais foram vistos e não se sabe se a festa ocorreu.

Após duas semanas, seus corpos foram encontrados numa mata de Mogi das Cruzes, também na Grande SP. Enterrados em uma ribanceira, todos tinham marcas de diversos tiros; um deles fora decapitado.

Perto das covas rasas havia cápsulas de pistola calibre.40, de uso exclusivo das forças de segurança. Dias antes do desaparecimento das vítimas, policiais teriam consultado seus antecedentes criminais.

Há rumores de que um dos garotos envolveu-se na morte de um agente da PM. Dois deles tinham algum histórico criminal, e um terceiro ficou paraplégico há dois anos, após ser baleado por policiais.

Os indícios não são decisivos, mas infelizmente não seria surpresa se levassem à pior conclusão. Em agosto do ano passado, um grupo de extermínio assassinou 17 pessoas nas cidades de Osasco e Barueri. Três policiais militares e um guarda-civil foram apontados como autores da chacina.

Dados do 10º Anuário de Segurança Pública atestam a letalidade de nossa polícia: em apenas seis dias, mata o mesmo que a do Reino Unido em 25 anos —55 pessoas.

Esclarecer a morte dos cinco jovens quanto antes não eliminará a desconfiança da maioria dos brasileiros diante daqueles que deveriam cuidar de sua proteção, mas ao menos indicará que as autoridades não são cúmplices desse crime.

editoriais@grupofolha.com.br


Endereço da página:

Links no texto: