Um acordo para o clima foi aprovado em Paris, no final do ano passado, com o objetivo de coordenar a redução das emissões de gases de efeito estufa. O documento foi assinado por 195 países.
O compromisso, que busca limitar até a metade do século o aumento da temperatura, representa uma renúncia dos interesses específicos para a preservação de um bem maior, a sustentabilidade ambiental. Sem coordenação ou regras claras, cada país seguiria atuando de acordo com seus interesses, ampliando o aquecimento global e os riscos para as próximas gerações.
Essa situação apresenta similaridades com o problema fiscal, causa central da crise econômica no Brasil.
Os gastos públicos federais vêm crescendo 6% ao ano acima da inflação nos últimos 25 anos, exigindo a criação de mais impostos. Recentemente, novos programas apoiados em subsídios foram criados sem consistência temporal, alcançando a média anual de R$ 63 bilhões nos últimos quatro anos e comprometendo as contas futuras.
O desequilíbrio se acentuou nos últimos três anos, fazendo a dívida pública saltar de 52% em 2013 para 72% do PIB em 2016. Poderá ultrapassar 100% em cinco anos.
Desde 2014, quando ficou clara a perda de credibilidade na política fiscal e cresceram dúvidas sobre a sustentabilidade da dívida, o Brasil não perdeu apenas o grau de investimento como também 2,2 milhões de empregos formais.
Com queda de 9% da renda per capita em dois anos, o momento é singular e nos impõe escolhas.
A PEC 241 foi proposta pelo governo como medida para limitar a expansão dos gastos públicos federais por 20 anos. Nos primeiros dez, as despesas são limitados à inflação do ano anterior (IPCA). Nos dez subsequentes, abre-se uma revisão a cada período de gestão.
A PEC dos gastos também procura estabelecer compromisso futuro. Propõe ajuste gradual e nova disciplina, sem cortes bruscos e descontinuidades, mas capaz de evitar que a dívida pública se torne impagável.
Saúde e educação terão tratamento especial, com a fixação de um limite mínimo, em vez de teto. No caso da saúde, os pisos previstos para 2020 já valerão em 2017, trazendo R$ 10 bilhões de recursos adicionais. Na educação, 80% dos recursos não ficarão sujeitos a limite.
Em alguns anos, as despesas em proporção do PIB poderão voltar ao patamar de 2008, e o atual deficit primário de 2,7% do PIB se reverterá em superavit próximo a 3%.
Isso contribuirá para a estabilização da dívida bruta sobre PIB. Num segundo período, poderemos reduzi-la a patamares prudentes. Assim, antecipamos para o presente ganhos de confiança, da redução da inflação e das taxas de juros.
A PEC dos gastos acarretará Orçamentos mais realistas, expondo para sociedade os dilemas de escolhas a serem tomadas. Atualmente, apenas 16% do Orçamento federal é gasto com os 45% mais pobres. Os 84% restantes são direcionados aos 55% mais ricos, o que reflete a atuação de grupos organizados de pressão, vários deles contra a aprovação da PEC 241.
Com uma evolução previsível para os gastos e sem a pressão permanente por mais impostos, cria-se ambiente favorável para a modernização do sistema tributário. É fundamental buscar mais equidade e mais eficiência arrecadatória, mas sem esquecer que a focalização dos gastos públicos é, pela evidência, o fator mais impactante para a redução da desigualdade.
Enfim, o controle do gasto é necessário para que o país saia da crise e volte a crescer. O outro caminho já conhecemos: dívida pública impagável, inflação descontrolada, baixo crescimento, elevados desemprego e desigualdade.
Torna-se inadiável, nesse momento singular do país, que os interesses corporativos deem lugar a um bem maior a todos, o compromisso com a sustentabilidade fiscal.
ANA PAULA VESCOVI, mestre em economia do setor público pela UnB (Universidade de Brasília), é secretária do Tesouro Nacional. Foi secretária da Fazenda do Estado do Espírito Santo (governo Paulo Hartung)
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