Folha de S. Paulo


MARCUS ANDRÉ MELO

Premiando os rejeitados

Há dois paradoxos nas eleições municipais. O primeiro é a perpetuação no poder de atuais ocupantes de cargos eletivos em um quadro em que suas taxas de rejeição são inéditas. A mudança nas regras de financiamento e no formato das campanhas fortaleceu os atuais mandatários, criando uma inédita assimetria pró-incumbente.

Ela resulta do amplo controle da máquina, maior potencial de "reconhecimento do nome", maior capacidade de criar fatos midiáticos etc. O viés pró status quo acaba prevalecendo sobre a rejeição porque pode levar à anulação do voto.

E também a rejeição tem direção certa: o PT, pelo impacto da Lava Jato. Prefeitos da antiga oposição são pouco afetados -veja-se os casos de Salvador ou Recife. O PT foi punido eleitoralmente, o que mostra a vitalidade da democracia brasileira.

Por outro lado, o viés pró status significa que o sistema político está menos competitivo: regressamos à República Velha. Os custos das eleições se reduziram, mas a assimetria pró-titular do cargo aumentou. O saldo líquido é que as barreiras à entrada podem ter aumentado. Quem está dentro, fica.

O segundo paradoxo é que os campeões das eleições -o PSDB e o conjunto de forças que sustentam o governo Temer- possuem pés de barro. A fraqueza dos vitoriosos tem origem sistêmica: deriva da fragmentação do sistema partidário.

A fragmentação vem de longe. Os três maiores partidos em 1996 (PSDB, PMDB e PFL) detinham 61% das prefeituras (3.150). Em 2012, os três principais (PMDB, PSDB, PT) caíram para 42% (2.339). Para os cinco maiores (os já citados mais PSD e PP), dados apontam para uma redução de 82% para 60% no mesmo período.

Enquanto escrevo este artigo, no domingo (2), os dados de 2016 ainda não estão disponíveis, mas certamente a fragmentação terá se acentuado. A identidade das agremiações mudou pouco no período. O número efetivo de partidos políticos (NEPP) -índice que pondera o número de siglas pelo tamanho das bancadas- alcançou 13,4%, um recorde mundial, em 2014.

A fragmentação alcançou o maior valor, matematicamente, em sete Estados: todos os seus deputados federais proveem de partidos diferentes.

Inteiramente previsível, a debacle espetacular do PT significa que o partido está reduzido ao seu núcleo duro de militantes com forte identidade partidária e programática (no jargão da área, ao seu "core voters"). Composto de setores sindicais, movimentos sociais e classes médias ligadas ao setor público, o partido com maior bancada eleita em 2014 (68 deputados federais) voltará a ter porte médio.

Já partidos nanicos,como o PRB, tornam-se partidos médios. Em modelos estatísticos, as eleições municipais são o melhor preditor das bancadas federais que se formarão em eleições subsequentes.

A vitória é importante para o governo Temer, uma vez que sinaliza a fraqueza da oposição. Os ganhos para o PSDB, que corre o risco de tornar-se partido médio, também são evidentes. Mas são vitoriosos em um sistema à beira do colapso.

A derrocada do PT é apenas parcialmente resultado da debandada dos eleitores voláteis ("swing voters"), sem identidade partidária. Esse grupo, que inclui amplos setores de baixa renda, abandonou o barco pela reversão de expectativas produzida pela crise.

Mas o PT está sendo punido também por ter deixado de ser governo. Por isso, e não apenas pelo fato de que a Lava Jato colocou seus doadores na prisão, sofreu enorme redução no financiamento de campanha. Em um quadro em que o Estado brasileiro é fonte de privilégios, importa estar do lado de quem o controla. Qualquer que seja o governo.

MARCUS ANDRÉ MELO é professor titular de ciência política da UFPE - Universidade Federal de Pernambuco. É coautor do livro "Brazil in Transition" (Princeton University Press)

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