Folha de S. Paulo


editorial

Que venham os próximos

Com um resultado próximo da unanimidade (450 votos a 10), encerrou-se a longa, incansável e quase alucinada resistência do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) à cassação de seu mandato.

Foram 314 dias de manobras, chantagens e negaceios até que finalmente se desse a punição do ex-presidente da Câmara por quebra do decoro parlamentar. A acusação que pesava contra Cunha não se cercava de obscuridades, entretanto.

Em depoimento à CPI da Petrobras, o deputado induzira conscientemente a erro seus colegas, afirmando não ser detentor de qualquer tipo de conta bancária no exterior. Verificou-se mais tarde que ativos de sua propriedade estavam sob controle de um trust.

O deputado insistiu por meses na tese de que não mentira à CPI, já que, nominalmente, as contas milionárias na Suíça ocultavam sua participação. Ainda brandia este farrapo de argumento em seu derradeiro discurso no plenário da Câmara, como se um óbvio artifício de evasão contábil fosse o estandarte de sua inocência.

Entrementes, acumularam-se indícios e acusações capazes de, por si mesmos, dar origem a outros tantos processos por falta de decoro.

Não há como considerar conciliável com o cargo de deputado a circunstância de ser réu em dois processos por lavagem de dinheiro e corrupção no Supremo Tribunal Federal —sem contar os cinco inquéritos que, de desvios no FGTS às propinas em obras portuárias no Rio, colocam Cunha na mira das autoridades policiais.

Apesar disso, não se dava como certa, até há pouco tempo, a condenação do deputado. Mas seus aliados, que eram muitos, vaporizaram-se nas últimas semanas.

Votado o impeachment de Dilma Rousseff, soaria como acinte a absolvição de quem simboliza o que de mais oportunista, fisiológico e corrupto persiste na política brasileira depois de desarmada a máquina de rapinagem do PT.

Paradoxalmente, Cunha quis atribuir sua derrocada a uma vingança por seu papel na deflagração do processo, como se tivessem subitamente se convertido ao dilmismo as centenas de deputados que o afastaram da Casa.

A cassação de Cunha só pode ser entendida como consequência do afastamento de Dilma num sentido diametralmente inverso: o de que se torna insustentável partidarizar a luta contra a corrupção.

"Hoje sou eu, amanhã serão vocês", disse Cunha aos deputados. O vaticínio cabe para inúmeros parlamentares e foi tingido de ameaça; para o conjunto dos cidadãos, contudo, a frase representa esperança.

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