Folha de S. Paulo


editorial

Ousar com o SUS

Se prosperar no Congresso, a proposta do governo Michel Temer (PMDB) de fixar um teto para o crescimento dos gastos públicos tenderá a promover uma redução relativa das despesas com saúde e educação: em vez de vinculadas à receita, passarão a se atrelar à inflação do ano anterior.

Ainda que não fosse por esse motivo, porém, os recursos para essas áreas (e para todas as outras) se mostrariam escassos nos próximos anos. Ninguém ignora que a gestão de Dilma Rousseff (PT) queimou o dinheiro de hoje e de amanhã, exigindo que todas as esferas da administração pública apertem os cintos por um período longo.

A fim de discutir esse cenário de escassez, esta Folha promoveu, nos dias 14 e 15, o Fórum Saúde em Tempo de Recessão. Especialistas em medicina, economia e administração debaterem alternativas para o setor num período de grave crise econômica.

Discutiu-se, entre outros temas, o SUS, que inevitavelmente terminará afetado. Não escapou aos convidados do encontro uma questão óbvia: as privações a que a população se verá submetida podem ser minoradas com medidas que tragam maior eficiência.

Um ponto nevrálgico é assegurar que as autoridades sanitárias tenham condições de planejar e gerir o sistema com racionalidade e previsibilidade. Isso significa que o acesso ao SUS não pode ser um cheque em branco ao portador.

Cabe aos administradores, valendo-se da melhor medicina baseada em evidências e de um cálculo de custo-benefício, estabelecer listas das terapias, procedimentos e medicações cobertas.

O rol deve ser extenso a ponto de abarcar quase todas as doenças. Quem quiser uma abordagem extraordinária —seja um medicamento recém-lançado, seja uma terapia ainda não validada pelos consensos científicos— deverá buscá-la às próprias expensas.

Cada vez que alguém, recorrendo à Justiça, consegue obrigar o SUS a pagar um tratamento experimental caríssimo, está tirando do sistema dinheiro que poderia salvar a vida de vários pacientes com moléstias mais simples.

A impessoalidade frequentemente exige que os gestores pareçam insensíveis. Pode ser ruim para a imagem dos indivíduos, mas é a garantia de que pessoas com menor capacidade de mobilização não serão deixadas para trás.

Tempos difíceis exigem criatividade e até certa ousadia.

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