Folha de S. Paulo


Maria do Rosário Ramalho e Nabil Bonduki

A virada da Virada Cultural

Na década passada, a Virada Cultural renovou a cena artística e urbana brasileira. Na contracorrente de tendência conservadora e higienista das gestões paulistanas de 2005 a 2012, transformou o espaço público do centro em um palco para manifestações artísticas.

Desfrutamos um prazer inédito: andar 24 horas a pé no centro, circulando entre um piano pendurado a 20 metros de altura numa praça, uma banda em um largo, uma performance artística iluminada no meio da rua, um equilibrista atravessando o Anhangabaú em um cabo pendurado, um artista renomado reunindo multidões em um palco...

Em uma São Paulo carente de atrações, refratária ao uso do espaço público e avessa à sociabilidade descontraída das ruas, a Virada foi um alento, mostrou que outra cidade era possível.

Atraindo um público cada vez maior, revelou o desejo por trocar a privacidade da moradia pelo convívio cultural a céu aberto.

O crescimento trouxe problemas e críticas. Aos poucos, as ocorrências policiais da madrugada ganharam mais destaque que as atrações artísticas, afastando o público. O gasto concentrado em apenas um dia no centro (que cresceu de R$ 4,2 milhões a R$ 12,5 milhões, de 2005 a 2012) passou a ser questionado.

Sensível aos problemas, mas consciente da relevância da Virada, a gestão de Fernando Haddad vem aperfeiçoando a programação cultural para alcançar todas as regiões da cidade o ano todo.

Criou-se o Circuito Municipal de Cultura, que utiliza a rede de 130 equipamentos culturais para realizar a maior programação de espetáculos do Brasil, em todas as linguagens artísticas.

A Virada deixou de ser única e passou a integrar um calendário de eventos em espaços públicos, que inclui, entre outros, o aniversário de São Paulo, o Carnaval de Rua, o Mês do Hip-Hop, as festas juninas, o Mês da Cultura Independente, as Viradinhas Infantis, o Mês da Consciência Negra e a Jornada do Patrimônio.

Seguindo o Plano Diretor, que defende a valorização do espaço público, a cidade passou a ser um cenário para a cultura. A regulamentação dos artistas de rua, a criação de 32 ruas abertas (como a avenida Paulista) e a proliferação de eventos promovidos pelos próprios artistas no espaço público levaram o espírito original da Virada para toda a cidade, ao longo de todo o ano.

A própria Virada está sendo repensada. Em 2015, a descentralização foi uma das marcas do evento, processo que se acentua neste ano. Todas as subprefeituras receberão atrações e viradinhas infantis. No centro, o evento foi ampliado para 48 horas, começando às 17h desta sexta (20) com o "esquenta virada", favorecendo os trabalhadores da região.

Em compensação, os palcos serão reduzidos durante a madrugada de domingo (22), quando o público se reduz significativamente. Nesse período, as muitas atrações previstas se concentrarão em um perímetro menor, com mais segurança.

Além de ocupar o centro e permitir uma circulação segura do público entre as várias atrações, a Virada chegará para toda a cidade, diversificando as plateias e gerando uma melhor relação custo/benefício. Em um momento de grande tensão política no país, espera-se uma Virada Cultural mais democrática e segura, uma virada de paz.

MARIA DO ROSÁRIO RAMALHO, 53, é secretária municipal de Cultura de São Paulo

NABIL BONDUKI, 61, professor titular na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e vereador de São Paulo (PT), foi secretário municipal de Cultura (2015-2016)

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