Folha de S. Paulo


editorial

Transparência à paulista

O cidadão desavisado que se deparar com a propaganda do governo paulista acerca do denominado "maior portal de transparência criminal do país", lançado na segunda-feira (9), decerto não imaginará que, três meses atrás, a administração Geraldo Alckmin (PSDB) decretou sigilo de 50 anos sobre registros policiais que agora divulga.

Tampouco saberá que a publicidade dos boletins de ocorrência se deve antes a uma ordem do Judiciário que a uma iniciativa tucana com vistas a ampliar o acesso aos dados da criminalidade.

Obrigada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo a fornecer a esta Folha registros de homicídios e de entradas de corpos no Instituto Médico Legal, a Secretaria da Segurança Pública decidiu disponibilizar todos esses dados na internet.

Tais informações haviam sido solicitadas para que o jornal pudesse examinar a taxa de assassinato alardeada pela gestão estadual.

Alckmin se jacta de ter levado o índice de homicídios abaixo do patamar de 10 por 100 mil habitantes, um nível tido como aceitável pelos padrões internacionais –e cerca de um terço da média nacional. Uma inegável façanha, mas a falta de transparência bandeirante lança dúvidas sobre sua real dimensão.

Se pretendia afastar as sombras, o governador escolheu um modo equivocado para tornar públicos os registros de homicídios dolosos, latrocínios e mortes suspeitas. Do jeito que está, o site não só contribui pouco para a checagem das estatísticas como também contraria a Lei de Acesso à Informação.

O diploma lista requisitos a serem atendidos pelos entes públicos na divulgação dos dados. Entre outros, os sites devem conter ferramentas de busca de conteúdo e possibilitar a gravação das informações em planilhas, de modo a facilitar sua análise.

Nada disso consta do portal tucano, que só permite a visualização de cerca de 64 mil boletins em ordem cronológica. Os registros policiais, ademais, não detalham os crimes, o que seria fundamental para saber se a ocorrência foi lançada corretamente como homicídio ou morte suspeita, por exemplo.

O pretexto seria proteger dados pessoais de testemunhas e envolvidos. Bastaria, no entanto, divulgar o histórico dos boletins com as eventuais informações comprometedoras borradas, um procedimento relativamente simples.

Geraldo Alckmin ainda terá de fazer muito para que o portal seja, como afirmou no lançamento, "um passo importante na transparência" de seu governo.

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