Folha de S. Paulo


editorial

O prazo da cracolândia

Há mais de duas décadas os paulistanos convivem com a terrível situação de degradação social e urbana representada pela cracolândia, questão que sem dúvida demanda atitude mais decidida por parte do poder público.

Assim, provoca desalento, ao menos num primeiro instante, as declarações do chefe do departamento antidrogas da Polícia Civil paulista em entrevista a esta Folha.

Na avaliação do diretor do órgão, Ruy Ferraz Pontes, serão necessários "mais dois anos, no mínimo" para que se efetue o desmonte da rede de tráfico de crack na região. Pelo menos mais dois anos, portanto, sem que se dê solução a esse persistente problema.

O prazo, no entanto, parece ser antes uma estimativa imprecisa –e até otimista. Embora a polícia venha agindo de forma ininterrupta na cracolândia desde 1996, a área continua dominada por traficantes de drogas e dependentes que utilizam o crack a céu aberto. Que evidências Pontes reúne para sustentar seu prognóstico?

É preciso ter em mente que as ações policiais constituem apenas uma das abordagens imprescindíveis para a restauração da região. Há também as dimensões social e sanitária, as quais pressupõem, de início, o estabelecimento de laços de confiança entre equipes de assistentes e usuários de crack.

Daí a necessidade de complementar a repressão com iniciativas pautadas pela redução de danos, que proporcionem um suporte para a recuperação do dependente.

É essa a estratégia que há dois anos a Prefeitura de São Paulo vem privilegiando. Seus resultados, porém, são dúbios. Se, segundo dados oficiais, conseguiu reduzir (ou dispersar?) de 1.500 para 300 o fluxo de viciados que vaga pela cracolândia, a recente defecção de uma centena de integrantes do programa expõe os limites da medida.

Como se não bastasse, há nesse ponto descoordenação entre os governos municipal e estadual –este defende uma estratégia antagônica, focada na abstinência.

Seja como for, a importância da ação policial não deve ser subestimada –e os recentes esforços do departamento antidrogas no combate à corrupção interna e o foco nos grandes traficantes sugerem que se está no caminho certo.

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