Folha de S. Paulo


Alexandre Rands Barros

Uma proposta para a crise da Previdência

O deficit da Previdência Social é um dos mais sérios problemas a serem enfrentados pelo Brasil. Sem ele em sua conta, o governo federal teria conseguido, entre janeiro e setembro de 2015, um superavit primário de 0,74% do PIB (preços de mercado), ao invés de deficit de 0,50%.

Levando em conta apenas o deficit do regime geral da Previdência rural, esse superavit teria sido de 0,97% do PIB. Em 2014, a tendência foi a mesma. O superavit primário seria de 0,66% ou 1,01%, caso os deficits da Previdência e da Previdência rural, respectivamente, fossem excluídos dos resultados do governo.

Ou seja, boa parte dos nossos problemas fiscais está na Previdência Social, particularmente na rural, pois a urbana ainda está positiva: em 2014 teve superavit de R$ 25,3 bilhões.

Em números absolutos, em 2014 o deficit geral da Previdência foi de R$ 56,7 bilhões. Nos nove primeiros meses de 2015, chegou a R$ 54,3 bilhões. O deficit do sistema rural em 2014 atingiu R$ 82 bilhões; nos nove primeiros meses de 2015, somou R$ 64,2 bilhões.

A Previdência urbana teve superavit nesses dois períodos, o que tem se repetido desde 2009. A proporção da arrecadação do sistema rural sobre o VA (valor adicionado, referente à soma de todas as rendas pessoais geradas no setor) caiu, entre 2007 e 2014, de 3,3% para 1,52%, enquanto a arrecadação do urbano subiu de 6,3% para 7,4% no mesmo período.

Traduzindo: as atividades urbanas pagam parte da Previdência rural e recolhem proporcionalmente mais.

Entre 2000 e 2014, as exportações de produtos básicos pularam de 22,8% do total para 48,9%, enquanto as exportações de não básicos encolheram de 77,2% para 51,1%. O Brasil elevou relativamente sua competitividade em produtos básicos no mercado internacional.

Esses produtos vêm principalmente da agropecuária e da mineração. Se grosseiramente assumirmos que os produtos básicos representam as atividades rurais e os não básicos representam as atividades urbanas, pode-se dizer que o Brasil tornou-se mais competitivo nos setores que menos contribuem para a Previdência Social.

Como as atividades rurais têm grande influência na taxa de câmbio do país, os trabalhadores urbanos estão subsidiando a Previdência rural para que a queda de custo seja exportada.

Diante dessa realidade, uma forma de reduzir o deficit da Previdência no Brasil seria impor uma taxa de contribuição ao sistema rural de 15% sobre o valor das exportações de produtos básicos.

Isso teria gerado nos três primeiros trimestres de 2015 cerca de R$ 39 bilhões, transformando o deficit primário do governo em superavit de R$ 17,1 bilhões, 0,39% do PIB. Os exportadores de primários, que tiveram um ganho de 35,6% com a desvalorização cambial entre 2014 e os nove primeiros meses de 2015, transfeririam apenas partes de seus ganhos para a Previdência.

Dessa forma, a indústria teria recuperado mais mercados domésticos e elevado suas exportações, a conta corrente da balança de pagamentos reduziria seu deficit e o governo federal aliviaria suas contas.

Os importadores, assim como os que viajam ao exterior, teriam que pagar mais caro pelos bens e serviços adquiridos, mas o fariam em preços relativos mais adequados às vantagens comparativas nacionais.
O potencial impacto de tal medida na inflação seria revertido com uma política monetária adequada.

ALEXANDRE RANDS BARROS, 53, doutor em economia pela Universidade de Illinois (Estados Unidos), é presidente da consultoria Datamétrica e do jornal "Diário de Pernambuco"

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