Folha de S. Paulo


Odilo Pedro Scherer

Natal em família

Não sem razão, Natal é festa em família. O Natal cristão faz referência a um acontecimento sagrado, vivido no seio familiar. Na história de Deus com os homens, a vida do casal, a paternidade, a maternidade e a filiação são realidades por meio das quais Ele se insere na história humana e se comunica conosco.

A família é o lugar onde Deus revela sua proximidade e seu desígnio salvador. O acontecimento do Natal mostra como Deus entra na família e se revela no entrelaçamento das relações familiares.

Deus envia ao mundo o seu Filho unigênito, que nasce humanamente de uma jovem mulher, Maria, noiva de José. Ela tem parentes e uma prima, chamada Isabel, está casada com o sacerdote Zacarias; ela é citada pelo anjo Gabriel, que anuncia a maternidade a Maria.

Daniel Bueno

Nessa história de Deus, vindo ao encontro da humanidade, há duas mulheres grávidas, ambas envolvidas pela ação surpreendente de Deus. Uma anciã, que se torna mãe, toda feliz, tendo a seu lado um marido incrédulo. Bem que Zacarias queria ter um filho, mas já havia desistido de esperar, porque estava velho, assim como sua mulher.

Ele duvida das palavras do anjo, que lhe anunciava o nascimento do filho, João Batista. Depois de ficar mudo por um tempo, tudo termina bem e o filho nasce, espalhando grande alegria pela vizinhança. O pai proclama as misericórdias de Deus, fiel às suas promessas.

José, o noivo de Maria, pensa em abandonar a companheira porque, perplexo, a vê tornar-se mãe e não sabe como isso está acontecendo. O anjo de Deus o tranquiliza e lhe revela o segredo: é mistério bonito de Deus, para quem nada é impossível. E José, homem justo e cheio de fé, abraça a missão de amparar Maria e o "filho do Altíssimo Deus", que dela nasce para este mundo.

As histórias de família continuam com os dois nascimentos. O de João, o precursor, faz todo mundo perceber que algo de grande está por acontecer, pois a mão de Deus estava sobre esse menino. O de Jesus, embora bem humilde e despojado, foi envolto em luz e sinais prodigiosos, que logo fizeram atrair para Ele os olhares e as homenagens.

Para Ele voltam-se bem depressa também as atenções dos poderosos: uns chegam de longe para o homenagear, atraídos pela luz que dele irradia; outros, de perto, já se sentem ameaçados e pensam em eliminar o recém-nascido. Maria, a mãe, fica a pensar: o que será que Deus quer dele e de nós? Os pais pensam nisso, quando olham para seus filhos pequenos... O destino dos filhos não lhes pertence.

Como pais religiosos e de profunda fé, José e Maria levam o pequeno ao templo, para apresentá-lo a Deus; ali se alegram com a bênção recebida. O filho é sempre uma bênção. Maria, entretanto, ouve palavras que a preocupam, pois já se anuncia que o menino será causa de sofrimentos para a mãe e muitos o rejeitarão e o perseguirão.

José e Maria trabalham, cuidam do filho e passam também pela experiência da incerteza e até do exílio. A vida desta família está nas mãos de Deus.

A história do Natal lembra a vida cotidiana da sagrada família de Nazaré que, entre alegrias e esperanças, vê o filho crescer e faz de tudo para ajudá-lo a ser o que Deus quer dele. De alguma forma, é a história de todas as famílias, que também são lugares onde Deus está presente e se revela.

CARDEAL DOM ODILO PEDRO SCHERER, 66, doutor em teologia pela Universidade Gregoriana (Roma), é arcebispo de São Paulo

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