Folha de S. Paulo


Jorge da Cunha Lima

O futuro de um país injusto

Após últimos acontecimentos, que culminaram na prisão do ex-ministro José Dirceu, é possível afirmar que o desempenho dos mandatos do PT no governo federal não foi dramático, foi trágico.

A situação da economia, da educação ou da segurança é dramática, ou seja, o contexto não ajuda a resolver esses problemas. Já a situação de um país é trágica quando ele se perdeu da própria alma, quando se afastou dos valores que davam sentido à sua existência.

No caso do PT a situação ainda é pior, pois o partido desmoralizou, por muitas décadas, os meios para se realizar uma política que sinalizava o desenvolvimento social.

Lula definiu o seu primeiro mandato por uma política econômica de respeito aos contratos, seguindo as diretrizes mais ortodoxas de Fernando Henrique Cardoso. Acrescentou a isso uma atuação no social que chegou a chamar a atenção do mundo, pois o Brasil sempre foi um país bastante injusto com os pobres.

Contudo, a temporada de escândalos iniciada com o mensalão, que envolveu a própria Casa Civil no aluguel do apoio parlamentar e continuou com o petrolão –o maior escândalo de corrupção da história contemporânea–, revelou um PT que não era percebido.

A Operação Lava Jato e a explosão da crise econômica levaram a nação a perder o rumo, mas também revelou a origem dos males do PT. Essa tragédia afeta as instituições mais frágeis, põe em risco as consolidadas e as responsáveis pela manutenção da democracia.

Toda crise tem um centro propulsor, um desenvolvimento, um momento destrutivo e uma calmaria durante a qual se avalia a terra arrasada e, então, a tentativa de reconstrução. No Brasil, desmoralizada a prática de uma política social avançada, as possibilidades de recuperação são desalentadoras.

Aqui, quando o valor da moeda se ajusta com a realidade, os juros impedem os resultados esperados, assim como a baixa no valor das commodities. Nem a recessão, que já estamos vivendo, consegue baixar os índices da inflação, pois há uma inflação provocada por ajustes, o da energia elétrica, o aumento dos juros e a valorização do dólar.

As instabilidades política e econômica não se resolvem numa passeata e levarão a uma baixa sucessiva de nossos índices de credibilidade internacional.

O que nós, cidadãos, começamos a perceber é que o período de recuperação será muito longo e será desenvolvido dentro dos padrões mais ortodoxos da economia liberal, praticada na Europa e nos EUA.

As perspectivas e as pesquisas de opinião levam a crer que o país será governado por partidos prudentes, representativos de um pensamento temeroso, de perfil de centro direita ou mesmo de direita conservadora. Parece que o mundo não conhece outra receita.

Assim, se num longo período a economia se enquadrar nos padrões considerados adequados pelas agências de classificação de risco e pelo FMI, ninguém deste novo poder se lembrará do social. A herança que o PT de Lula e Dilma nos deixa é a de que, apesar de uma recuperação, seremos um país injusto.

JORGE DA CUNHA LIMA, 83, escritor e jornalista, é vice-presidente do conselho curador da Fundação Padre Anchieta e colunista do portal iG

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