Folha de S. Paulo


Editorial: Chantagem à cubana

Por temor de perder mão de obra qualificada e sob a vista grossa do Ministério da Saúde, o governo de Cuba tem coagido integrantes do programa Mais Médicos a enviar de volta à ilha cônjuges e filhos que os acompanham no Brasil.

Como noticiou esta Folha, a vice-ministra da Saúde cubana viajou ao Brasil para ameaçar de substituição profissionais que insistam em morar aqui com os familiares.

Trata-se de imposição desumana. Destacados no mais das vezes para regiões inóspitas e historicamente desassistidas, os 11.429 profissionais cubanos (quase 80% do contingente do programa) não podem se dar ao luxo de visitar com frequência o país natal por causa da distância, do ritmo de trabalho e dos custos do deslocamento.

Cabe lembrar que já atuam sob condições aviltantes. Embora o Ministério da Saúde pague pouco mais de R$ 10 mil mensais por médico, cada cubano recebe cerca de 30% desse valor –o restante é embolsado pelo regime castrista–, sem 13º, FGTS e hora extra.

Esse esquema de pagamento representa, na prática, uma terceirização da atividade, o que é proibido pela legislação brasileira. Além disso, impõe uma discriminação entre os médicos cubanos e os demais integrantes do programa.

Do ponto de vista do cidadão cubano, essas inaceitáveis distorções se tornam problemas menores. Vindos de um regime ditatorial com problemas econômicos estruturais –o salário médio na ilha não passa de US$ 20–, têm no Mais Médicos uma rara oportunidade para melhorar a renda familiar.

Por isso mesmo, o governo de Cuba receia que a vinda de cônjuges e filhos estimule a fixação dessas famílias em solo brasileiro. A possibilidade existe, mas obviamente não justifica a chantagem.

Embora admita ter conhecimento das pressões, o Ministério da Saúde afirma que o problema está fora de sua alçada, uma vez que o contrato com Cuba foi assinado por intermédio da Organização Pan-Americana da Saúde.

O argumento é cínico, para dizer o mínimo. Na condição de empregador, o governo federal tem a obrigação de assegurar que, em território brasileiro, os médicos cubanos sejam tratados de forma digna, e não apenas como peças descartáveis de uma máquina de financiamento da tirania castrista.


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