Folha de S. Paulo


Editorial: Planos passageiros

Num país em que as instituições são fracas, impera a descontinuidade administrativa. O transporte público na cidade de São Paulo dá um exemplo acabado disso, como se cada gestão começasse do zero ou estivesse obrigada a abandonar o planejamento anterior –bom ou ruim, pouco importa.

A resultante é um mosaico disfuncional de soluções mal-acabadas. A metrópole tem de tudo: corredores de ônibus segregados, mas sem áreas de ultrapassagem; faixas exclusivas e faixas preferenciais para coletivos, com ou sem horários díspares de restrição para táxis e carros particulares; ônibus articulados que se aventuram em vias estreitas. Uma balbúrdia.

Agora que o prefeito Fernando Haddad (PT) se lança a formatar licitação para reformular todo o sistema, seria bom que se dedicasse a estudar formas de impedir que os planos fiquem pelo caminho. Foi o que aconteceu com os de sua correligionária Marta Suplicy, que governou a cidade de 2001 a 2004.

Visão sem execução, diz uma frase atribuída a Thomas Alva Edison (1847-1931), é apenas alucinação. No caso, pesadelo, como vivencia diariamente o paulistano que depende de transporte público.

Há 12 anos, a Prefeitura de São Paulo deu a largada para uma série de projetos que deveriam ter sido concluídos em 2013: 300 km de novos corredores de ônibus, 30 terminais para convergência de linhas e 350 estações de transferência. Um salto de modernização e qualidade –ao menos no papel.

Levantamento desta Folha mostrou que quase nada andou como deveria. Mais de um ano depois de finalizado o prazo inicial de construção, os 300 km de corredores estacionaram em 83 km, ou meros 28%. Metade dos 30 novos terminais não passam de sonho. E somente 3 –três!– das 350 estações foram erguidas.

Se a prefeitura fosse encarada por seus ocupantes como uma instituição, e seus programas, como decisões que só poderiam ser revertidas com forte apoio técnico e consulta pública, haveria menos problemas de continuidade.

Acontece que as duas gestões petistas foram intercaladas pelas de José Serra (PSDB) e Gilberto Kassab (então no DEM), que engataram a marcha a ré nos projetos de Marta. E o próprio Haddad, ao retomar a ideia de uma reforma mais estrutural, se põe a arquitetar um plano diferente, para chamar de seu.

Num país com instituições mais fortes, o sistema de transportes de uma cidade como São Paulo seria objeto de um debate especializado, que jamais ignoraria a importância de uma coordenação metropolitana para o setor, com compartilhamento tanto de políticas tarifárias como do sistema de linhas.

Em seguida viriam, naturalmente, consultas públicas sobre prioridades e gastos, bem como a formulação técnica de um projeto executivo, o qual sucessivos prefeitos teriam a responsabilidade de conduzir. Mas aqui é o Brasil, e os planos, quando existem, são passageiros.


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